quarta-feira, janeiro 28, 2004

Josephine e as Tatuíras suicidas

Final de semana, Edmund resolveu ir à praia. Tudo ótimo se não resolvesse me levar também. Nada contra praia, mas não vejo muita graça em esticar minha escassez de melanina na areia até virar um camarão torrado nem em lutar para permanecer em pé dentro em uma grande massa de água que decididamente não me quer dentro dela e me empurra de volta.

Nem me anima chegar em casa (ou no hotel, ou na pousada) como um camarão à milanesa, coberta de areia e sal, tentando desesperadamente (em vão), debaixo do chuveiro, tirar os terríveis grãos que se alojaram até na alma, quanto mais na pele e no cabelo. A última vez em que me aventurei a entrar no mar eu devia ter uns oito anos. Depois disso contento-me em sentar no calçadão (ou, eventualmente, de roupa na areia) e olhar o sinistro mar. A paisagem é bonita, principalmente quando há pouca gente, mas não é por achar o Grand Canyon bonito que me atirarei sobre ele.

Estranhamente Edmund também não é chegado em praia, ele tem uma implicância com o sol (conforme o texto anterior atesta) e conseguiu manter uma cor ainda mais lagartixal que a minha (estou queimada, em um branco-escuro).

Então viajamos, Josephine encarou o litoral gaúcho, entupiu-se de filtro 30 (maior do que isso é cancerígeno, culpa dos anéis de benzeno, segundo Edmund), colocou um short, biquíni e blusa de alcinha, Edmund de camiseta, bermuda e filtro solar, saímos para a praia.

Lá chegando (ventava horrores) vimos a placa "Próprio para banho", diversas criaturas divertindo-se dentro do mar, fomos recepcionados por um nativo nada ilustre e bastante bronzeado, recém-trazido com as ondas, material fecal, para ser mais específica (Josephine não gosta de palavras sujas e feias. Nesse caso pode até ser suja, feia nunca!). Nos entreolhamos e pensamos seriamente se seria uma boa idéia entrar naquela água.

Não que tivéssemos a intenção de entrar, mas pensamos em um romântico passeio à beira-mar, com água até as canelas. Andamos mais um pouco pela areia. "Um trocinho daquele tamanho não é o suficiente para contaminar esse mar enorme, né?" Ponderei com Edmund. Observei as ondas morrendo na areia e notei uma espuma colorida "Ah, o mar tem detergente, está limpinho", Edmund me disse que aquela espuma era normal, mas para mim aquilo era detergente.

Andamos mais um pouco para dar uma distância segura entre nós e o náufrago então resolvemos tirar os sapatos. Caminhamos pela areia e estava tudo tranqüilo até que Edmund me falou de uns amigos dele que estavam debaixo da areia. Tirou um pouco da areia molhada com os pés e mostrou o bichinho se escondendo, só que eu vi outro bichinho, achei que ele estava falando de um trocinho qualquer que vem com as ondas e se esconde na areia, mas a realidade era ainda mais terrível do que eu poderia imaginar.

Talvez percebendo que eu não identificara o animal ou em sua sempre alucinada ânsia de ver, rever, mostrar, reamostrar quinhentas mil vezes algo de que tinha falado, continuou revirando a areia molhada com os pés para que eu visse os pequenos fugitivos.

Tatuíra. Alguém já ouviu falar disso? Segundo ele é esse o nome das tais criaturas. Encontrou por acaso em uma de suas escavações uma tatuíra já sem vida em seu minúsculo corpo. Por algum motivo desconhecido até então eu imaginara que os bichinhos subterrâneos (ou, no caso, subareiâneos) eram insetos. Qual não foi minha surpresa ao notar, pelo fenótipo do animal que se tratava de um crustáceo!!!

Sim, um diminuto, minúsculo crustáceo quase transparente fugia do sol enterrando-se na areia e quanto mais a água tirava-lhe a areia de cima mais ele se enterrava (ou se enareiava). E assim passava a vida das tatuíras.

Observei então mais à frente e pude notar que o chão estava coberto delas, ou melhor, que elas estavam cobertas pelo chão que estendia-se por toda a borda do mar. Milhares, milhões, bilhões, trilhões, zilhões de tatuíras sendo pisoteadas por incautos banhistas que divertiam-se salgando suas peles e entupindo seus poros com a areia da praia.

Naquele instante percebi que deveria estar pisando em centenas de tatuíras que escondiam-se sob meus pés. Passei a senti-las esperneando sob a sola de meus pés, desesperadas, e fiquei eu mesma ainda mais desesperada, pulando, em vão, os milhares de micro-crustáceos que escondiam-se, em profundo terror.

Obviamente todas as pessoas daquela praia pararam o que estavam fazendo e passaram a observar aquela garota saltitando na areia, olhando, apavorada, para o chão. Edmund tentou me convencer de que as tatuíras ficam imensamente felizes ao serem pisoteadas pelos banhistas e que é exatamente com esse fim que elas se escondem sob a areia.

Não me convenci. Se elas realmente gostassem de ser pisoteadas não se esconderiam, mas manteriam-se visivelmente sobre a areia, aproveitando a deliciosa sensação de ter seu corpo esmagado por um pé humano.

No entanto, as pobres tatuíras enterravam-se, apavoradas, sem saber para onde correr, sem nem ao menos saber correr com aquelas perninhas diminutas e aquele corpo sem nenhuma proteção contra os terríveis raios solares que provavelmente as torrariam em trinta segundos de fuga. Nada mais resta àqueles pobres crustáceos (ao menos acho que são crustáceos, não havia nelas rótulo algum para a correta identificação científica, fui pela aparência mesmo) senão tentar salvar suas vidas enfiando-se embaixo da areia molhada em uma desesperada tentativa de manter-se intactos até que venha a noite e eles possam, enfim, aproveitar as poucas horas em um luau de tatuíras ou, quem sabe, descansando, exaustos, do terrível trabalho diurno para a manutenção de suas existências. Não podia compactuar com isso.

Em pouco tempo o romântico passeio à beira do mar tornou-se em um terrível pesadelo, para mim e para as tatuíras. Decidi não mais andar. Parei em um raro ponto desprovido de tatuíras e lá fiquei, apesar dos apelos de Edmund. Conforme as ondas iam e vinham, notei que meus pés começavam a afundar. Achei que fosse apenas uma discreta acomodação ao terreno, mas logo percebi que estava sob a areia até meus tornozelos e, estranhamente, não parava de afundar.

Por que ninguém me avisou de que havia areia movediça no litoral gaúcho? Desesperada, gritei ao Edmund: "Estou afundando!!!" E ele, mais do que depressa disse: "Legal!!!" E parou em um determinado ponto, buscando afundar também (não sabia que ele era afeito a fortes emoções), quando estava com areia até quase a cintura consegui falar para Edmund (que estava afundado até os joelhos): "Não é para brincar!!! Eu quero sair daqui!!!"

Edmund, como quase todos os homens, é assim, se eu não falar exatamente o que quero que ele faça ele não tem a capacidade de adivinhar exatamente o que espero que ele faça. Geralmente eu faço drama e espero que ele adivinhe, naquele momento minha vida estava em risco, eu não podia esperar.

Finalmente ele saiu da areia e me ajudou a sair também, antes que fosse tragada pelo habitat das tatuíras. Por que elas também não afundam? Não sei, pergunte a elas. Bem, esse é o primeiro capítulo de meu longo passeio de dois dias pela praia. Foi um fim-de-semana inesquecível. Continua no próximo post


PS: Gostaria de agradecer aos leitores deste blog que me deram apoio no post do dia 23 e fizeram com que ele fosse o mais comentado de minha carreira neste blog. Apesar de me sentir horrível por expôr minha carência patética naquele post, fico bastante feliz ao ver que vocês ainda estão por aqui e manifestaram suas agradáveis presenças nos comments, conforme eu (ridiculamente, eu sei) tanto precisava. Me enchi de ânimo ao ler suas tão incentivadoras mensagens e escrevi o texto de hoje, já preparando o segundo capítulo do meu final de semana na praia com Edmund. Respeitosos abraços a todos os amigos.

Mais um dos antigos textos de Edmund para dar suporte a mais um dos novos textos de Josephine:



Domingo, Maio 18, 2003

Radiação ultravioleta. Um pouco de incidência dessas ondas eletromagnéticas em nossa pele é benéfico e, por que não dizer, necessário. O sol, como grande produtor, é nossa principal fonte desses raios.

Muitas pessoas, desejosas por um colorido mais forte e descontentes com a pouca incidência a que se vêem obrigadas a submeter seu corpo durante o inverno, utilizam-se de equipamentos modernos e de seus modernos métodos artificiais de bronzeamento.
Sem desejar julgar o mérito da questão, vejo-me compelido a discutir sobre o tema.

A radiação ultravioleta (ou ultraviolenta, para os íntimos), ao ter sua energia absorvida pelas camadas da pele, provoca pequeninas lesões na estrutura desse delicado tecido. Como reação a essa agressão, nossa pele tende a se proteger produzindo mais de um pigmento denominado "melanina", o que proporciona aquele belo bronzeado que a todos enlouquece.
Como todo o lunático, fujo dessa radiação. O excesso dessas ondas, além de causar envelhecimento precoce, pode comprometer a integridade genética das células atingidas a ponto de causar doenças mais sérias.

Todas as criaturas que habitam a superfície desse planeta possuem, em maior ou menor grau, uma proteção natural contra níveis naturais de incidência. Contudo, nós, humanos, possuímos uma tendência ao exagero que, em muitos casos, levamos às últimas conseqüências. Dessa forma, acabamos por nos expor desnecessariamente a uma carga excessiva de agressão a qual, um dia, teremos de prestar contas.

Há muitas e muitas luas (como diria o chefe Chuva-Na-Cara) nossa atmosfera era protegida por uma camada cerca de sete vezes mais espessa de ozônio do que essa que a protege atualmente. Tal diminuição deu-se gradualmente, o que possibilitou a readaptação das espécies a esse novo panorama sem maiores sobressaltos. Nas últimas décadas, até nisso a humanidade conseguiu interferir, com a diminuição abrupta, que presenciamos hoje, desse estratosférico elemento, torna-se um risco muito grande submeter-se a esses níveis de radiação solar, mesmo resguardado pelo creme protetor (que, por melhor que seja, sempre fornece uma proteção limitada).

Por tudo isso, amo o outono e o inverno e seus dias de frio e de agasalhos grossos. E mesmo que ofusque meio mundo com minha brancura e fira outro meio mundo com minha insanidade, sempre tentarei ficar o mínimo tempo possível sob incidência solar direta, o mínimo para não ficar raquítico.

postado por: EDMUND BONAPARTE 2:56 PM

sexta-feira, janeiro 23, 2004

Josephine não gosta quando escreve, todo mundo lê e ninguém comenta. Josephine até ia postar um super texto hoje, mas ficou desanimada. Josephine teve um trabalhão para escrever o post do dia 21, fazer o desenho e tudo o mais e só teve um comentário (muito válido, gostei mesmo, Oculto x), Josephine gostou do comentário, mas queria mais. Josephine quer saber o que acham do que ela escreve. Josephine é uma criatura bastante carente e sociável, precisa de contato com seres humanos. Josephine acha que os leitores deste blog andam muito desanimados. Josephine fica triste achando que a culpa é sua. Josephine vê que não podia ser diferente, era ou ela ou o blog no lixo. Josephine acha que tudo é culpa do Edmund, infelizmente Josephine gosta de Edmund e nem consegue ficar brava com ele. Josephine ainda não conseguiu ser um ser superior que escreve sempre do mesmo jeito, independente do número ou teor de comentários. Josephine percebe que Edmund é um ser superior. Josephine não é Edmund. Josephine constata seu fracasso diante deste blog. Josephine não gosta de constatar fracasso. Josephine gostaria de ser mais útil. Josephine quer comentários, mas não gosta daqueles do tipo "adorei seu blog, passa lá no meu", Josephine ainda não chegou nesse estado de desgraça. Josephine percebe, já depois de milhares de linhas escritas que está falando como o Smeagal. Josephine odeia o Smeagal, Josephine é muito mais bonita do que o Smeagal. Josephine detestou o filme (só assistiu o último) e se decepcionou com a interpretação (ou falta de) do Elijah Wood, ele era bom ator quando era criança, agora virou uma árvore, ou Frodo era para ser retardado mesmo? Josephine vê que está muito ruim, divagando sobre O Senhor dos Anéis. Josephine acha que é melhor parar de escrever, é deveras degradante chorar por falta de comentários. Josephine deveria fazer alguma coisa a respeito. Josephine está com fome, daqui a meia hora Edmund vem buscá-la. Josephine torce para que ele volte a escrever. Sabe, Josephine acha que ele volta logo. E tem bons motivos para isso. Josephine termina o texto, com a terrível impressão de que todos os comentários serão referentes ao Senhor dos Anéis. Josephine se arrepende profundamente de ter citado isso. Josephine encerra o texto, torcendo para não estar certa.

PS:Sim, hoje é aniversário de Josephine, mas se você só falar sobre isso ela achará que você não leu o texto e ficará bastante triste.

quarta-feira, janeiro 21, 2004

Sobre a Góia, algumas coisas devo acrescentar, baseada nas dúvidas que surgiram nos comentários deixados por alguns de vocês.

"Aposto que a senhorita Josephine deve ter coisas muito mais divertidas/importantes para fazer do que ficar perseguindo "Góias" pela rua, não é mesmo? Que tal um texto escrito a dois para felicidade dos seus leitores?;) Grandes beijos!! "

Gerusa

Gerusa, foi divertido. É sério! Não para a Góia, é claro. Sabe que começo a simpatizar com a pobre moça? Quanto ao texto a dois, é um desafio e tanto, já que eu e Edmund escrevemos em estilos completamente diferentes, mas adorei a idéia! Falei para ele "Eu quero escrever um texto contigo" _e ele: "Eu quero escrever um texto. Meu problema é bem mais elementar".

"Agora me diga josephine, vc se auto compara às antigas admiradoras de edmund, ou tem medo que edmund faça isso contigo ? Josephine enfrenta um grande universo de preservação ? Josephine não se importa ? A pedra que estava no sapato de Josephine é maior que toda estabilidade de seu caminhar ? Afinal Josephine vc tem medo de flores mortas se transformarem vivas mesmo mortas ? " Oculto x

Na verdade para resumir eu poderia responder apenas "não" a todas as perguntas, mas serei boazinha com o Oculto x e o responderei no corpo do texto a seguir.

Só queria saber o q Edmund achou dessa operação "caça Góia" Beijinhossssss Clau
Clau, ele não se manifestou sobre o assunto. Para te dizer a verdade acho que o Edmund me acha meio maluca.

Mas você não explicou se ela chegou a ser alguma coisa do Edmund-U-DUL-1... hehehe. Verme-U-RMN-2
Verme, deixei implícito. Mas explicitarei no corpo do texto também.
A Góia só não namorou Edmund porque ele não quis. Ela vivia em negros lugares, sob profundas trevas enquanto Edmund....bem, vocês sabem como Edmund é divertido, gosta de viver, de descobrir as coisas com bastante luz. Mas ela tentou. E sim, posso dizer que tentou o suficiente para que fizesse parte da história de Edmund, do caderninho invisível em que consta o nome de todas as Góias que já passaram pelo caminho de nossos namorados. Ela é uma ex, mas é uma ex qualquer coisa, não ex namorada, não houve título para ela, coitada.

Não tenho medo de um ressuscitamento de flores mortas mesmo porque, no caso dessa flor, sinceramente não acho que já tenha sido viva algum dia. Josephine não tem medo, o que Josephine tem é uma profunda raiva de não poder apagar todos os registros anteriores de Edmund, Josephine gosta de ser o presente e o futuro de Edmund, mas não se conforma de o passado dele pertencer a Góias. Simples assim.

Quanto À beleza, por favor, compreenda, nada há de metafórico nisso, a guria é bonita fisicamente falando e só não a encarei porque precisava ir a um cyber café postar aquele texto e não poderia voltar para seguí-la. Edmund me assegura que sou mais bonita do que ela; eu sinceramente não acho, mas pouco me importa. Sei de minha beleza física sim, mas principalmente de minhas outras qualidades, que o fizeram se apaixonar por mim e não por ela. Alguma vantagem devo levar nisso tudo, não?


Esse é o desenho da Góia, que eu tinha prometido. Nunca dá para saber se ela está indo ou voltando, nem sei se ela é assim de verdade, mas na minha cabeça é assim que ela é:

Aqui vai um retrato falado dela, não sei se alguém conseguiria pegá-la através dessa figura, provavelmente Edmund não achará nada parecido, mas foi como ficou gravado seu rosto em minha memória durante os parcos segundos que a vi:



Meus profundos agradecimentos ao pessoal que comentou: GlassjaVV (ainda não sei se a outra Góia tem os dois lados do rosto), Shigue (Exagero seu, não sou ciumenta, sou só curiosa), Butterfly (Se eu caísse na gargalhada a guria certamente me internaria, preferi não correr o risco), Verme (Ainda não sei se ela tem olhos e sobrancelhas. Dá mesmo para descartar a hipótese?), Gerusa (É, talvez eu tenha coisas mais importantes e divertidas para fazer. Só preciso saber o quê :) ), Oculto x (Fiquei mais assustada com seu comentário do que a Góia com rosto unilateral ficou com minha presença), Moreno (Tentarei igorá-la, prometo...que tentarei.), Livs (Puxa, seu caso deve ser pior, ao menos o Ed não gostava da Góia. Ah, adorei o "ar bairral"...risos) e Clau (Operação "Caça Góia"?? Fantástico nome!! Adorei.) . Se mais alguém quiser comentar, vá em frente! Gostei muito, estão retomando a boa forma, amei o humor apurado.

Para encerrar,copio aqui o comentário que deixei lá:

Qual outro lugar tem leitores tão espirituosos? Josephine está rindo até agora e se prepara para responder as perguntas mais torturantes dos leitores. Quem ainda não comentou, esteja à vontade, estou preparando outro post nesse exato instante. Respeitosos beijos a todos e muito obrigada pela preciosa colaboração.

Josephine ButterFly

sexta-feira, janeiro 16, 2004

Perseguição Implacável

Não sou nem um pouco ciumenta, muito pelo contrário, mas se tem uma coisa que me deixa frustrada é não poder apagar o passado de Edmund, mesmo que não signifique mais absolutamente nada para ele. Taí uma coisa com a qual ainda não consegui lidar. Vocês sabem o quanto Edmund é cativante, inteligente, interessante, extremamente sedutor (ainda que ele não saiba disso) e bonito. Sim, Edmund é bonito. Se não for bonito, ao menos disfarça muito bem. Eu o acho bonito, enfim.

Por ele ser tudo isso, durante suas andanças por este mundo, por outras dimensões e instituições psiquiátricas, esse moço de olhos verdes arrebatou diversos corações (e outros órgãos não menos importantes, como fígados, estômagos, cérebros, pulmões...) de moças assanhadas (e de algumas comportadas também). Perto de minha casa habita uma dessas moças. Edmund me mostrou tal criatura um dia desses, despretensiosamente, a pedido meu, certamente julgando tratar-se de mera curiosidade. Não deixa de ser.

O problema é que eu só via a tal guria de costas. Devo dizer que ela tem bastante cabelo. A bem da verdade cheguei a pensar que da cintura para cima ela fosse só cabelo (prometo desenhá-la aqui assim que me sobrar um tempinho), precisava vê-la de frente para saber se, afinal, ela tinha ou não um rosto.

Dias e dias, noites e noites, semana após semana procurei encontrá-la e nada. Passei duas noites em claro atrás de uma árvore em frente à casa dela, mas só o que consegui ver foi aquele terrível emaranhado de fios negros (estou sendo cruel, emaranhado de fios é meu cabelo, o dela é bem soltinho, o que, devo dizer, piorava a visualização) que cobria-lhe o rosto.

Disfarcei-me de moita, colando uma infinidade de folhas por meu corpo e, agachada, a segui durante algumas horas até que ela entrou em um prédio e de lá não saiu mais. Provavelmente saiu quando, sem perceber, cochilei entre um coaxar e outro do sapinho que saltava entre minha folhagem.

Estava magra, pálida e abatida, olheiras imensas, profundas e escuras adornavam meus belos olhos vermelhos, os quais eu mal conseguia manter abertos. Começava a tremer, mal conseguindo sustentar meu corpo sobre minhas pernas. Precisava ver o rosto daquela lambisgóia, mas não conseguia dar mais nenhum passo.

Esgotadas minhas forças, via a vida esvaindo-se de mim a cada respiração ofegante. Concluí, em um breve momento de lucidez, que ela não valia tamanho sacrifício. Concluí ou minha cama concluiu por mim, não sei. Desabei sobre o colchão e desacordada fiquei por três noites seguidas.

Acordei no quarto dia, revigorada, tomei um longo banho, comi um reforçado café da manhã e notei que minhas belas (e modestas) feições tornaram a ocupar meu rosto, elas e róseas bochechas tomaram o lugar daquele aspecto cansado que ostentara durante quase um mês.

Novamente bela e com todo o frescor de minha esfuziante juventude, resolvi passear despreocupadamente. No meio do caminho notei que alguém me seguia. Ao olhar para trás reconheci aquele cabelo. Era a Góia (Apelido carinhoso para Lambisgóia)!! Deixei que passasse à minha frente e a segui até o ponto de ônibus. Lá fiquei cerca de meia hora e descobri que ela tinha rosto!!! Ou ao menos parte dele, já que não vi o lado esquerdo.

Parecia não ser feia, embora tenha feito uma expressão assustadora ao perceber-se observada por mim. Geralmente as mulheres têm sensores apuradíssimos que permitem identificar em menos de um segundo todos os pontos críticos e possíveis qualidades de suas concorrentes.

Infelizmente, não possuo tal capacidade. Por isso não me resta outra alternativa senão olhar fixa e demoradamente a criatura até gravar o maior número de informações que conseguir em meus registros de memória. Tal recurso porém, exige o total abandono de qualquer tipo de discrição ou sutileza.

Consegui gravar os seguintes tópicos: ela tinha uma pele esquisita, braços roliços, não era gorda, mas tinha clara tendência a engordar, olhos pequenos, sobrancelhas mal desenhadas, cabelos tingidos de preto, finos, lisos com discreta ondulação nas pontas, bem tratados e com balanço. É mais baixa do que eu e não estava feliz em me ver.

É uma pena ter conseguido gravar tão pouca coisa, mas achei que fosse o suficiente para identificá-la das próximas vezes que a visse. Finalmente ela pegou o ônibus e pude continuar minha caminhada. Não pretendia seguí-la de novo, embora precisasse vê-la outra vez para saber se ela possui os dois lados do rosto.

Seguindo para o supermercado hoje pela manhã deparei-me com outra moça, de características parecidas, porém com a mesma calça com a qual eu vira a garota de costas enquanto estava com Edmund. Era ela!!! Seguira a pessoa errada ontem, agora sim estava frente a frente com a Lambisgóia!!!

Pele branca, um pouco mais magra que a outra, nariz afilado, boca pequena (argh! Ela é bonita!!!) e...óculos escuros. Tenho certeza, agora sim, de que era ela!! As outras características todas batem, exceto uma coisa: essa estava de óculos escuros. Imensos óculos negros que cobriam-lhe os olhos e as sobrancelhas.

Bem, ao menos agora sei que ela tem os dois lados do rosto. Mas ainda preciso encontrá-la novamente para saber se tem olhos e sobrancelhas, só por curiosidade. Depois, prometo, a deixo em paz.

sexta-feira, janeiro 09, 2004

Após o último post de hoje (tudo bem, foi o único) lembrei-me de um post que Edmund escreveu no Patota's
em Setembro e que talvez nem todos vocês tenham lido. Como tudo o que Edmund escreve, esse texto é muito bom e não merece estar jogado no submundo dos arquivos do Patota's Place. Então, resolvi fazer o que (não) sou paga para fazer e colá-lo aqui para vosso deleite. Espero que gostem.


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sábado, 20 de setembro de 2003

Caríssimos amigos do Patota's Place,

Sumi.

Sim, realmente eu sumi.

Mas como todo indivíduo suminte (suminente? sumidante? sumidouro? sumiriente? nenhuma das alternativas?) que se preza, reapareci.

Sumir e não reaparecer deve ser de uma tristeza tão profunda quanto sumir e reaparecer em algum lugar deserto. Felizmente reapareci em meio aos viventes, coisa que me enche de júbilo e satisfação.

Mas como todo ser suminte (resolvi adotar essa forma para o meu disforme desvanecimento), vivo agora, em meus instantes iniciais de súbita reexistência, a me desculpar pelos meus indesculpáveis modos. Sim, ó nobre povo do Patota's Place, rogo que aceitem esse indivíduo lunático e desvairado em vosso meio novamente (pelo menos até o meu próximo sumiço que, embora não esteja sendo premeditado de forma alguma, mas sabendo das conexões alucinadas entre meus neurônios, inevitavelmente ocorrerá).

Seja como for, aqui estou. É bem verdade que não posso estar certo disso, já que nunca estou certo de nada. Mas acho que sim. E se aqui estou hoje, grande chance há de que muito brevemente tal fenômeno se repita, embora repetitibilidade não seja uma das minhas mais eminentes características.

Mas nessas minhas sumidas, muitas coisas eu aprendi. Descobri que por mais longe que eu fosse e por mais sozinho que eu procurasse estar, sempre estava muito perto de mim, sempre. Isso me fez crer profundamente, durante um bom período, que eu estava em todos os lugares ao mesmo tempo.

Procurei de todas as forma desvencilhar-me de mim mesmo. Fui para lugares onde poucos seres humanos se aventurariam. Escalei montanhas intransponíveis e desci às profundezas gélidas do mar, e em todos esses lugares... lá estava eu.

Tal fato, certamente, muito perturbado me deixou. Passei a temer sobremaneira essa minha onipresença. Se eu realmente me encontrava em todos os lugares ao mesmo tempo, coisas horríveis poderiam estar acontecendo comigo sem que eu tivesse a menor consciência disso. Passei a olhar obsessivamente todos os jornais para certificar-me de que nada de mais grave vinha acontecendo com minha pessoa por esse mundo a fora.

Alucinado (coisa muito comum em meus dias), tive a idéia de telefonar para casa na intenção de falar comigo mesmo. Não atendi. Cri que eu estivesse então tomando banho ou que houvesse saído por alguns minutos. Liguei para vários lugares aonde gosto de ir e perguntei se eu estava por lá. Recebi muitas negativas. A bem da verdade, não recebi nenhuma positiva, o que não me deixou nada neutro nessa situação.

Juntando os pedaços, pude então compreender que eu não era onipresente. Longe disso, eu vinha sendo até bem ausente nos últimos tempos. Pude constatar que, na realidade, eu vivo mesmo é me perseguindo. Para aonde eu vou, eu vou atrás. É quase um caso de polícia.

Bem, enquanto eu me mantiver assim, inofensivo, só me acompanhando, acredito que não haverá maiores problemas. Mas estou, é verdade, tentando me convencer a não somente me seguir. Perguntei para mim mesmo se eu não gostaria de continuar escrevendo no blog, pelo menos de vez em quando, já que minhas rotinas reais e imaginárias estão ocupando quase todo o meu tempo. E como aparentemente eu tenho bastante tempo livre para ficar me seguindo, creio que mataríamos dois coelhos com uma cajadada só (mesmo que matar coelhos a cajadadas seja uma técnica bem rudimentar e pouco eficiente).

Parece que entendi a mensagem, eu acho. Mas como eu disse, não tenho certeza de nada, nem de que eu não tenha realmente certeza de nada, de forma que isso me parece fazer ter certeza de algo. Ou não. Ou talvez. Sei lá. Mas deixa assim por hoje, senão vai ficar parecendo perseguição.

Enviado por Edmund Bonaparte
O tempo vai passando e começo a achar que tenho mais coisas em comum com o Edmund do que costumava supôr. Essa nítida sensação de não pertencer a este mundo (porque não pertencemos mesmo) e, pior (ou melhor), a certeza de pertencer a outro mundo, com regras completamente diferentes das que costuma-se seguir por aqui.

O estranhamento a tudo o que é considerado normal, que me atraiu nele, existe, em menores proporções, também em mim. A certeza da existência de coisas que ninguém realmente acredita que existam, a insistência em dizer que algo é assim quando as pessoas insistem em acreditar no que vêem, todas as nossas afinidades passam pelo que as outras criaturas considerariam maluquice, mas que são nosso elo de ligação mais forte.

Parei da dar os antialucinógenos a Edmund para ver se ele tornaria a alucinar, porém, não é do dia para a noite que isso acontece, muito pelo contrário, eita coisinha difícil de sair da corrente sanguínea de alguém! Já fazem quatro dias e a esperança tarda, mas não morre. Espero, para breve, o retorno de Jedi.

domingo, janeiro 04, 2004

Boa idéia

Desculpem a demora. Seguindo o conselho do Shigue, após esgotarem-se todas as outras alternativas (como ficar falando vinte horas por dia no ouvido do Edmund para convencê-lo a voltar a escrever), decidi que a partir de hoje não dou mais a medicação do Eddie.

Sim, decidi suspender os antialucinógenos e seja o que Deus quiser! Quem sabe assim ele volta a escrever? Me disseram que é muito arriscado suspender a medicação desta forma, mas eu tenho que tentar!!!

É minha última cartada. Se nem assim ele voltar, desisto.

Qualquer progresso aviso.





Ou alucine aqui: