quarta-feira, setembro 29, 2004

Tecido Sintético


Gostaria de ter o dom sobrenatural de sintetizar as coisas. Não tenho. A bem da verdade também não estou lá muito interessada em ter, não. Sou uma pessoa extensa, sou um nome enorme, um texto imenso, lê quem quiser. Perde quem não quer, não eu.

Já reclamaram que meus textos são longos demais. Eles têm o tamanho que devem ter, que nasceram para ter. Eu, sinceramente, acho Edmund alto demais, mas ele nasceu para ser assim, e assim ficou.

"Escrever é a arte de cortar palavras" Já ouvi, mais de uma vez. Não sei escrever. Sei construir, derramar, tingir, pintar. Desenho as letras como gostava de desenhar rostos, quero perfeição e nunca consigo, prefiro pecar por excesso do que por omissão, sombreio bastante para dar realismo. Sempre comentaram dos olhos, sempre quis fazer olhos humanos, com alma. Fazia um rosto imenso, cheio de detalhes e sombreados, mas meu interesse eram apenas os olhos.

Alguém poderia me dizer que eu deveria desenhar apenas os olhos, já que eles eram o meu foco, e que isso seria escrever. Mas então como? Milhares de olhos? E o mistério, as expressões, os rostos, os sombreados? Os fios de cabelo, os detalhes, desenho é conjunto, texto também, não importando qual o foco.

Continuo escrevendo como os textos querem ser escritos. Por não querer um texto enxuto não quis trabalhar com jornalismo. Lembro-me, entretanto, de um texto de Edmund, em resposta a algumas poucas pessoas que reclamaram que seus textos estavam longos demais e elas tinham preguiça de ler (quem está errado? Quem escreve um texto longo ou quem conforma-se com sua ignorância, na "preguiça de ler"?)

Não poderia deixar de postá-lo, mais uma vez, é um texto recheado de substantivos e com poucos verbos, pesadíssimo, de propósito. Para mostrar que um texto curto não é, nacessariamente, mais leve e fácil de ler do que um longo. Tamanho, definitivamente, não documenta nada.

Segunda-feira, Junho 09, 2003



Para Encurtar A Conversa

Comparando os últimos textos que escrevi com os primeiros, reparei que a cada dia venho escrevendo textos maiores. Até onde, eu me pergunto, poderei ir desse jeito? Chegaria certamente o dia, em um futuro talvez não muito distante, em que meu texto seria tão grande, mas tão grande, a memória em meu computador que ele ocuparia seria tão elevada, mas tão elevada, e o esforço mental para tentar lembrar de tudo o que escrevi seria tão desgastante, mas tão desgastante que, com certeza, ficaríamos travados eu e meu computador. E isso não me traria encanto.

Por esse motivo, hoje tentarei ser breve e objetivo, conciso e lacônico, exato e resumido, preciso e abreviado. Não prolixo.Tentarei, com todas as minhas forças, não ser extenso, amplo, vasto, abundante ou ilimitado.Buscarei desesperadamente a definição, a acepção, a interpretação, o valor, o sentido e o significado. Não me deixarei cair em redundâncias, difusões, superfluidades, excessos, inutilidades e pleonasmos.

Fixarei meu objetivo na clareza, na nitidez, na limpidez, na transparência, na diafaneidade e na inteligibilidade. Não utilizarei truques, ardis, arapucas, artifícios, artimanhas, armadilhas, ciladas, emboscadas e estratagemas. Procurarei ser puro, correto, imaculado, genuíno, inocente, incontestável e irrepreensível. Mas se não conseguir, certamente ficarei fulo, zangado, amolado, irritado, aborrecido, apoquentado, encolerizado, amofinado e exacerbado. Mas vou parando por aqui antes que vocês fiquem nauseados, repugnados, ansiados, repulsados, aflitos e agoniados.

postado por: EDMUND BONAPARTE 5:58 PM

PS Confesso que fique chocada com a afirmação da Claudia e do Thiago, que disseram que Tatuíras são comestíveis. Risoto de Tatuíras, Claudia? Tatuíras fritas, Thiago? Urgh...

PS2 Fiquei emocionada ao ver um comentário do Plâncton no texto anterior. Me senti realmente honrada e lisonjeada por ter tão nobre figura a agradecer meu apoio. Estamos aí, irmão Plâncton, na luta pela manutenção da beleza, da cor e da alegria que apenas os verdadeiros artistas podem trazer ao mundo. Conte conosco!

Respeitosos Abraços a todos!


sexta-feira, setembro 24, 2004

O Retorno das Tatuíras



Sou uma Lady. Daquelas frescas ao quase-extremo. Que não fala palavrão, não acha bonito campeonatos de arroto, gosta que o ilustre namorado abra a porta do carro (e Edmund é o tipo de homem em extinção que abre a porta do carro para uma dama), que detesta ouvir do ser amado um comentário chulo ou uma grosseria.

Felizmente Edmund é um Lorde. Um Lorde mesmo, como podem notar pelos textos. Aparentemente somos dois chatos, mas isso não é verdade. Nossas diversões podem parecer meio estranhas, mas eu garanto que são muito normais. Agora, por exemplo, adquirimos o hábito de observar Tatuíras na praia. o que pode parecer esquisito para quem já leu este texto, mas que tem lá sua lógica científica.

Passamos pela praia dia desses e, desta vez, eu estava de sandália, o que diminuiu bastante o impacto de estar pisando em Tatuíras desesperadas e enterradas.

Só que na praia em que fomos, as Tatuíras eram anabolizadas. Milhões delas, correndo perto da superfície a cada onda, desesperadas para comer alguma coisa. Fiquei pensando. O que elas comem?

Dia desses, em uma exposição de livros infantis, lemos um exemplar de uma coleção muito interessante que conta, em rimas e com ilustrações infantilizadas, a história da vida de diversos bichos, existe a ameba, o gato, o cachorro, a aranha, o plâncton, entre uma infinidade de outros seres.

Li a história da aranha, da ameba e do plâncton, mas nada me emocionou mais do que a história do Plâncton. O pequeno Plâncton era sempre ameaçado pelos outros bichos do mar, eles queriam comê-lo, mas tudo o que ele queria era seguir sua vocação e ser um grande artista.

O pequeno Plâncton se esforçou, começou a pintar seus amigos do fundo do mar, a lula, a arraia, a baleia e até mesmo um tubarão. O pequeno Plâncton gostava de viver perigosamente. Em pouco tempo o pequeno Plâncton tornou-se famoso, mergulhadores admiravam-se das cores dos peixes e de outros bichos e o pessoal do fundo do mar adorou estar tão colorido por um Plâncton tão talentoso.

Os peixes até gostariam de comê-lo, mas jamais comeriam um bichinho tão simpático, famoso e talentoso. Ele era uma celebridade altamente carismática do fundo do mar. E continuou feliz, realizou seu sonho e continuou a pintar, como o artista que era.

Pula para a praia. Eu e Edmund, olhando Tatuíras. Vem a onda, cobre a areia, a onda sai e leva os grãos que cobrem as Tatuíras, que saem correndo, semi-cobertas pela areia, até enterrarem-se novamente.
-Ok - penso em voz alta- Se elas não gostassem disso, não ficariam aqui. Poderiam enterrar-se mais fundo, nenhuma onda as encontraria, nenhum pé pisaria sobre elas. Ou não. Que vida horrenda, passam o dia inteiro correndo assim!

Mais uma onda. Desta vez vem em nossa direção, nos afastamos e depois nos aproximamos novamente, ainda olhando para o chão. Edmund pergunta:
-Isso deve ser estressante. Será que elas não dormem?
- Acho que não. Ou entam enterram-se bem fundo para tirar uma soneca.

A essa altura eu já estava simpatizando com as pobres Tatuíras e parte daquele meu trauma inicial já havia se dissipado. Edmund então pensou em algo bastante provável:

- Talvez elas estejam apenas comendo. Acho que elas saem assim para comer.
- É, elas vivem a vida inteira debaixo da areia, não fazem nada além de correr das ondas e se esconder. O que será que elas comem?
- Sei lá, elas devem comer alguma coisa que venha com as ondas, devem filtrar alguma coisa. Devem comer...quem sabe...- Olhei para Edmund. Não podia crer que ele diria aquilo. Mas ele disse-...quem sabe...plâncton?

Olhei para o chão, apavorada, os olhos, já enormes, esbugalhados, lembrando-me do pobre Plâncton, meu amigo, a quem eu vira naquele livrinho e a quem tanto me afeiçoara. Não pode ser!! Que monstros! Comem aqueles bichinhos tão bonitinhos e talentosos, que pintam outros bichinhos no fundo do mar. Tá, eu sei que isso não é verdade, mas....puxa vida, justo o Plâncton? Fiquei, novamente, traumatizada. Devo dizer que Edmund também, embora, para me animar, ele tenha dito:

- Calma, não é aquele Plâncton, são outros plânctons.

Não sei se ajuda. Só sei que a cena me pareceu monstruosa. Tatuíras transgênicas anabolizadas correndo para capturar os pobres e sensíveis plânctons sobre os quais li naquele livrinho para crianças. Definitivamente, sou um ser influenciável.

Mas eu sei! Tatuíras não têm cor. Claro, nunca deram aos Plânctons oportunidade de pintá-las ou talvez não gostem deles justamente por isso, inveja. Porque são pálidas e eles vivem sempre rodeados de tintas, cores e alegria planctoniana. Tatuíras são seres tristes, com uma vida sem-graça. Leram o livro sobre a vida do Plâncton e resolveram dedicar suas vidas a acabar com essa espécie que enche o fundo do mar de cor e alegria, com seu talento inquestionável. A intenção das Tatuíras é acabar com os seres coloridos, para que se sintam menos incolores. Pensando bem, conheço muita gente assim.

Os plânctons é que são bobinhos, ao invés de se conformar em ser comida de todo mundo, deveriam ficar bem longe desses seres invejosos. Tudo bem, existe toda aquela coisa de cadeia alimentar, etc, etc...mas aquele livrinho infantil confundiu minhas idéias. Preciso pensar mais a respeito. Preciso pensar.

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Comentários deste post:

"Por que ninguém comentou ainda? Será que tem algum problema com o sistema de comentários?

Então, se ninguém comentou, me vejo compelida a comentar sozinha.

Amo plânctons porque são seres indefesos e detesto tatuíras porque são seres esquisitos.

Abraços ao Edmund e espero que os demais leitores deste Diário despertem de sua hibernação sem fim.

Se eu fosse Josephine, não tornaria a escrever enquanto não tivesse, no mínimo, três comentários."
Van Lampert 09.26.04 - 11:53 pm

"Tambem conheço gente tatuíra. As que dão na praia, são boas em risoto, sabia? :)
beijo grande,
(e um abraço solidário)
Claudia 09.27.04 - 1:34 am

"Tatuíras são bixinhos bem esquisitos... o_O"
Miya_chan 09.27.04 - 2:13 am

"De uns tempos pra cá, também ninguém quis comentar no meu blog.Teve apenas oito comentários,mas depois ninguém mais veio.Acho que enjuaram de ler as coisas que escrevo, ou seja por falta de tempo.Mas, apenas algumas pessoas me colocaram para bligs amigos.Bom, se
você puder Josephine, por favor entre um pouco lá no meu blog, e comente.Ficarei muito feliz!
Beijos de chocolate ligh."
aryadne 09.27.04 - 11:43 am

"Em Saquarema (RJ) as pessoa comem Tatuíras fritas, eu confesso, é gostoso, lembra formiga na brasa..."
Thiago Dhatt 09.27.04 - 10:57 pm

"Josephine,

Obrigado pelos adoráveis elogios, e, sobretudo, pelo apoio à nossa causa. Tem sido difícil trabalhar e trazer cor e alegria a um mundo sombrio como este em que uma morte violenta espreita a mim e a meus irmãos plânctons a cada onda que se espalha por sobre aquelas pavorosas criaturas descoloridas que habitam as areias."
Plâncton 09.28.04 - 11:07 pm

"un saludo desde españa.eres de lo mejor.muacs
shely 09.30.04 - 8:18 am

PS: Os donos deste blog não se responsabilizam pelos comentários deixados pelos leitores, como os transcritos acima.


terça-feira, setembro 21, 2004

Persistência

Se me faltassem todos os talentos do mundo, ainda me restaria um, que me difere de todo o resto da humanidade: nunca conheci criatura humana tão estabanada. Acabo de conseguir a proeza de derramar meia garrafinha de iogurte sobre um caderno aberto. Felizmente aqui onde eu moro não existem formigas, ou estaria seriamente encrencada.

Não que formigas sejam uma lenda neste lugar, mas elas não costumam ser vistas pelos cômodos deste apartamento. Dizem que formigas não moram em apartamentos altos, talvez tenham preguiça de subir as escadas. Dizem também que quanto mais alto o apartamento, menos chance de ter mosquitos passeando por ele. Talvez mosquitos também não gostem de subir escadas.

Só existem formigas e mosquitos em apartamentos altos se eles forem persistentes e pacientes o suficiente para subir de elevador. O problema é que formigas e mosquitos jamais conseguiriam apertar o botão do elevador, por isso teriam que contar com a sorte.

Primeiro, teriam que saber ler. Ao menos identificar os números. Caso contrario teriam esperado horas e horas por alguém que chamasse o elevador para eles, entrariam na engenhoca e desceriam no primeiro andar, ou no subsolo, onde poderiam ter ido usando suas próprias patinhas (ou asinhas, no caso dos mosquitos).

Porém, sabendo identificar os números altos, deveriam contar, novamente, com a sorte, esperando que um incauto morador de apartamentos altos resolvesse entrar no elevador e descer em seu andar inacessível a pequenos insetos sobre patinhas. Então, teriam de contar, outra vez, com a sorte, ou melhor, com a falta de sorte do indivíduo que então abriria a porta a eles e seria o único morador do andar a contar com a companhia exclusiva de um mosquito e um punhado de formigas (porque, convenhamos, elas deveriam vir em grupos ou não adiantaria muita coisa. A menos que fosse uma formiga-ermitã, uma sábia formiga buscando encontrar-se consigo mesma, loge da balbúrdia dos formigueiros e perto da morte certa. Não seria muito inteligente).

Convenhamos que é muito mais fácil subir pelas escadas ou pelas paredes, do lado de fora, e pegar o primeiro apartamento que vier à sua frente, o que deve explicar a preferência desses insetos por andares mais baixos e casas térreas ou sobrados. Ao menos não imagino mosquitos fazendo vôos arriscadíssimos e formigas escalando prédios altíssimos e fazendo rapel.

A menos que sejam insetinhos olímpicos, com espírito esportivo muito forte, querendo ultrapassar seus próprios limites para alcançar vitórias jamais imaginadas pelo micro-mundo em que vivem. Duvido. Não sei, mas desconfio que não haja nada semelhante a substâncias como adrenalina e endorfina correndo no interior de seu exoesqueleto. Acredito que apreciem uma vida mais rotineira, algo mais tranquilo e regrado, sem grandes emoções e sem viver perigosamente.

Nesse aspecto acho que me identifico com essas formigas e esses mosquitos. É, eu sei, ando fazendo comparações estranhas, que colocam em dúvida minha boa auto-estima, primeiro um dedão do pé e agora, formigas e mosquitos. Mas tudo tem seu contexto.

Não gosto de viver perigosamente, de grandes emoções, sou alérgica a adrenalina, quase morri no barco viking, não saio à noite, detesto multidões e tenho pavor de altura.

Algumas coisas de mim eu guardo lá dentro, coisas que quero fazer, mas que não me sinto à vontade de contar para a humanidade. Coisas óbvias. Quero um dia subir as escadas e escrever meu formigueiro no vigésimo quinto andar. Quero ir de escada, para não ser vista, para ter certeza de que chegarei no vigésimo quinto andar, ainda que demore um pouco mais do que se eu pegasse o elevador.

Quem olha para mim pode ver só uma formiga, daquele tipo que quer viver sua vida de formiga e ser deixada em paz. Mas olho para cima, vejo aquelas janelas pequenas, sei de formigas que conseguiram, planejo em segredo cada degrau. Não devo chorar sobre o iogurte derramado, a mancha ficou no caderno, para que eu não me esqueça, para que eu não perca de vista jamais o vigésimo quinto andar.

PS: Edmund, hoje é um dia especial. Não vou te lembrar e nem dizer o que se comemora neste dia. Sim, é uma forma de torturar-lhe até que você se recorde e, quem sabe, compre alguma coisa gostosa para a gente comer e comemorar. Hoje é um dia especial. Todos os dias são especiais, ainda que não pareçam, mas este, além de ser, parece. :)

PS2: Ando com problemas de conexão. Espero consertá-los em breve, para poder voltar a passar mais tempo por aqui, respondendo comentários.

PS3: A propósito, me perdoem o longo tempo sem posts. A partir de hoje este blog entra nos eixos.

PS4: Não poderia deixar de agradecer, ainda que ligeiramente atrasada, a homenagem que o M16 fez para a gente no blog dele. Desçam a barra de rolagem quando chegarem .

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Comentários deste post:

"Nossa, como você escreve bem.De onde você tirou esta idéia de usar um blog como um único e verdadeiro diário?"
aryadne 09.21.04 - 8:26 pm

"Olá... Aqui estou eu novamente após um turbulento período. Vejo que continua escrevendo de forma magnífica. Quanto às formigas, talvez elas não queiram subir aos andares mais altos porque sabem que encontrarão lá um apartamento como qualquer outro. Talvez uma delas tenha conseguido a muito tempo atrás, e percebido que a quantidade de açúcar num apartamento não é diretamente proporcinal à distância deste do solo. E esta formiga ensinou as outras, de forma que isto é ensinado hoje na escola das formigas."
Flip-flop 09.21.04 - 8:50 pm

"Formigas sábias asssoviam o que o sabiá sonhava em saber assoviar. Mas não estou certo quanto à existência delas."
André 09.22.04 - 1:45 pm


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quinta-feira, setembro 16, 2004

Uma História Sem Pé Nem Cabeça


É, uma história sem pé nem cabeça. Na verdade, nunca vi uma história com pé e cabeça. A maioria das histórias que já ouvi não tem mesmo pé, nem cabeça, nem braços, pernas, nem nada. Um dia, quem sabe, eu consiga escrever uma história com pé e cabeça.

Um pé com alguns dedos, porque pé sem dedos não deve ser um verdadeiro pé, caso contrário, nenhum pé teria dedos. No entanto, a maior parte dos pés têm dedos, e deve haver algum motivo para que os dedos dos pés estejam ali.

Já ouvi histórias de gente que perdeu o dedinho do pé, aquele minúsculo, o último, e teve grandes dificuldades para voltar a andar. Pensando bem, essas histórias podiam até não ter cabeça, mas certamente tinham pé. Com um dedinho a menos.

Isso mostra que até um minúsculo e aparentemente insignificante dedinho tem sua utilidade em um corpo tão grande. Mesmo quando o corpo é pequeno, no caso dos anões ou até de pessoas muito baixinhas, o corpo sempre será enorme, se comparado ao dedinho minúsculo do pé.

Portanto, não podemos desprezar nem um mísero dedinho minúsculo e aparentemente sem função. Assim como ele, muitas outras coisas neste planeta têm sua utilidade, embora não aparentem. As pessoas, inclusive.

Aquele ser esquisito que senta perto de você no trabalho, aquele cara chato que conta sempre a mesma piada, aquela secretária calada, de quem você nem sabe o nome, aquele menino que parece viver no mundo da lua, aquela menina que parece que nunca está fazendo nada....cada pessoa dessas pode ser um dedinho. Se elas faltarem, alguns corpos desabarão, até aprenderem a andar novamente, sem aquele dedo.

Talvez não dê para a gente mudar todo mundo, mas com certeza podemos aceitar todo mundo, ainda que não sejam como gostaríamos que fossem, ainda que seja difícil. Pensando bem, seria estranho. Se cada uma das pessoas citadas fosse um dedinho, teríamos um estranho pé com cinco dedinhos minúsculos. Acredito que seria tão impossível andar com eles quanto sem eles. A menos, é claro, que cada um desses dedinhos estivessem em um pé diferente. Então teríamos cinco pessoas.

Ou melhor, não, poderíamos ter duas pessoas e meia, duas pessoas com dois dedinhos, um em cada pé, e meia pessoa com um dedinho em um pé...se bem que me parece meio difícil que meia pessoa sobreviva, ainda que tenha um dedinho. Nesse caso, poderia ser uma pessoa inteira, com apenas uma perna e um pé. Ou com duas pernas, dois pés e um dedinho. Ou talvez o outro dedinho seja tão insignificante que ficou fora da contagem.

Não importa. De qualquer maneira, o indivíduo em questão portador dos dedinhos citados, desabaria caso lhe fosse arrancada a falange correspondente.

Eu devo ser um dedão. Daqueles cuja unha encrava de vez em quando e que você tem vontade de arrancar, mas que tem que compreender e ajudar. Aceitar o dedão como ele é e ter uma certa sensibilidade, para não ficar cutucando a unha o tempo todo, cortar sempre retinha para que não encrave, enfim, não é muito romântico e creio que eu seja mais bonitinha do que um dedão, mas ainda assim a comparação é válida.

Não sei se na hora de caminhar o dedão é tão importante quanto o dedinho, mas desconfio que sim. De qualquer maneira, pelo menos sei que ficar sem o dedão é muito mais anti-estético do que sem o dedinho, sem dúvida. E o dedão aparece mais, incomoda mais e não pode ser arrancado assim, tão facilmente.

O dedão é chato. O dedinho é discreto. Eu sou um dedão, embora pareça uma legítima pedra no sapato de algumas pessoas. A pedra pode ser jogada fora, mas com o dedão deve-se aprender a conviver. De certa forma, me parece ser uma vantagem.

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Comentários deste post:

"Uma singela homenagem no meu blog... vejam lá."
M16 09.16.04 - 2:56 pm

"Conheço muitos anelares-do-pé...

Aqueles que muita gente nem sabe o nome, mas estão sempre lá para ajudar a levar a gordura toda..."
M16 09.16.04 - 2:58 pm

"Um dedo no do pé, eu acho que sou uma pedra no sapato, isso sim, ukaukaukaukaukauk, bem, bela história e tal... até mais....."
Fabio 09.17.04 - 1:53 am

"Amei o blogg...a forma como escreve é simplesmente maravilhosa...sensivel, inteligente e sensato.... "
veronica 19-09-2004 04:03:28

"Oh-My-God! Nunca pensei que um dedo desse tanto assunto!"
Alencar 09.21.04 - 1:40 am


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terça-feira, setembro 07, 2004

Gavetas

Andei fazendo uma limpeza nas gavetas de casa e me impressionei com a quantidade de quinquilharias que guardo. Não falo apenas dos cartuchos vazios da impressora ou das canetas bic e grampos de cabelo, porque isso todo mundo guarda, acho.

Mas encontrei embalagens blister de produtos do tipo lixas de unha, a caixa do mouse, dezenas de etiquetas recortadas das roupas (eu detesto etiquetas), lacinhos e florzinhas recortados das roupas de baixo (por que eles insistem em costurar aquelas coisinhas inúteis nas calcinhas e sutiãs?) e uma infinidade de papeizinhos e folhetos sem utilidade alguma.

Prometi a mim mesma nunca mais pegar um mísero folheto na rua, nem em consultórios médicos, lojas de celular, nada, nada, nada! Tinha um folheto explicativo, altamente elucidativo, sobre o tratamento da asma com um determinado medicamento. Ocorre que não tenho asma. Nem eu, nem Edmund, nem ninguém que more comigo. Por que raios peguei aquele folheto no consultório médico? Ou pior, por que eu o guardei por mais de seis meses na gaveta? Não me pergunte, não faço idéia.

Talvez seja reflexo de nossa vida enlouquecida, cada vez mais maluca e corrida, que nos impede de ter papeizinhos realmente úteis para guardar, como uma carta de amor, um bilhete apaixonado, um cartão de agradecimento, um pedido de desculpas escrito em um guardanapo...

Tudo reflete a carência afetiva da nossa sociedade. O folheto do consultório, na verdade, era uma carta de declaração de amor do medicamento a mim, prometendo me livrar de uma crise asmática, caso eu tivesse uma. Talvez meu subconsciente tenha visto assim "alguém se importa comigo".

Cada folder, cada cartãozinho, cada jornal de ofertas de supermercado deixado na caixa de correio, representa o trabalho de diversas pessoas e eu simplesmente não me sinto à vontade para jogar todo esse trabalho, suor, investimento humano e financeiro no lixo. Mantenho na gaveta por algum tempo, até que fique obsoleto, mas antes de se tornar uma peça com valor histórico. Então jogo fora.

Peças com valor histórico não podem ser jogadas fora, portanto tenho que revirar todas as gavetas antes que seja tarde demais e eu tenha que guardar aquela notinha da compra de um refrigerante no supermercado, datada de cinco anos atrás.

É uma tarefa árdua. Mexer nas gavetas é como mexer em mim mesma, lá no fundo da alma, nas coisas que guardo, lembranças, sentimentos, momentos passados. De vez em quando devemos fazer isso. Jogar fora os papeizinhos e etiquetas acumulados, guardar só o estritamente necessário e deixar espaço para coisas novas.

Estou profunda hoje. É, talvez este texto nem caiba aqui, mas se eu não colocar este texto aqui hoje, possivelmente amanhã existirá uma multidão reunida na porta deste blog, protestando como a Marguerita (dona Pizza )...ops, Margarita :) nos comentários do post anterior, " Post Novo Já!!"

Pretensão de Josephine. Realmente gostaria de acreditar que alguém sente minha falta neste blog. Alguns leitores, porém, têm me escrito indignados com minha falta de amor próprio, por eu achar que só Edmund é importante. Mas é que este blog é dele e tem se falado mais em Josephine do que em Edmund. Entretanto, agradeço. Suas opiniões tem feito diferença para mim.

Ainda faltam duas gavetas. Preferi escrever antes já sabendo que ia ser um texto pseudo-profundo. Se esperasse mais uma gaveta, ficaria insuportável, filosofando sobre as gavetas da alma, sobre as etiquetas da vida e os cartões vencidos de nossa existência breve.

Edmund conseguiu convencer o Cabide a esperar mais uns seis meses antes de se mudar para o meu apartamento. Acho que isso quer dizer alguma coisa. Edmund diz que isso quer dizer que o Cabide vai pensar mais um pouco. Para quem não se lembra, o Cabide e o Criado-Mudo de Edmund não se dão nada bem. O Cabide é um lorde, educado, polido, e o Criado-Mudo é arrogante, mal-educado e irônico, sempre acabam discutindo. Há algum tempo tiveram uma discussão feia e o Cabide ameaçou mudar-se para a minha casa. Agora, mais calmo, concordou em pensar mais um pouco.

Devo salientar que ainda não consegui fazer com que falem comigo. Esses móveis só se comunicam com Edmund, ele diz que eles são tímidos na presença dos outros, mas aos poucos o Cabide está se sentindo mais à vontade perto de mim, é um avanço.
No começo o Criado-Mudo não ia com a minha cara, mas eu sei que no fundo, no fundo, ele é legal. Talvez lá bem no fundo de sua gaveta, talvez se eu vasculhasse as coisas que ele guarda, me surpreenderia positivamente. Quem sabe um dia ele se abra para mim?

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Comentários deste post:

"É eu as vezes acho cada coisa no mu guarda roupa! Nas gavetas ja achei coisas tão velhas quuanto eu! Hehehehhehe, é engraçado."
Alencar 09.08.04 - 1:31 am

"Minha amiga sente dó quando passo pelas pessoas na rua e recuso seus panfletos. Vou fazer o que com papeizinhos de dentistas oferecendo extrações a 10,00, restaurações a 7,00, ou bidus como "Mãe Dinah fala sobre seu futuro, fazemos amarrações", etc. Melhor jogar e não se prender a nada.
Parabéns pelo blog!"
CARLA 09.09.04 - 12:19 am

"Olá senhora Butterfly! Quanto tempo! Ainda com o grande Edmund? É bom ver vcs junots (mas vcs n tinham terminado?)... Mundo estranho.
M16 09.09.04 - 11:11 am

"eu kero o criado mudo, gostei dele, parece muito com meu armário, já o cabide, este se parece com a quina da cama que eu insisto em dar joelhadas e ela pede "desculpas".... Tah tah, eu vou trabalhar, eu sei, tenho que dormir... aiai.... fuies"
Faboides 09.10.04 - 12:56 pm

"Ei, eu sou um drink, não uma pizza! :)
Obrigada pelo post, Josephine, agora posso sobreviver mais algumas semanas sem crise de abstinência lunática. Ah, e posso me sentir uma pessoa organizada, também... "
MargariTa ;) 09.15.04 - 2:22 pm

"Sabe que já se passaram-se bem mais de uma semana?? Escreva por favor! "
aryadne


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