quarta-feira, outubro 20, 2004

Outra Cara

Cansei da minha cara. Sabe quando a gente cansa da própria cara? Assim, cansando mesmo? É sempre a mesma cara no espelho, em todos os espelhos, de todos os lugares pelos quais passo.

E não, não adianta mudar a cor do cabelo. Já fiz isso várias vezes. E não foi do cabelo que cansei, mas da cara. Se bem que também cansei do cabelo, mas esse é outro problema.

Não, plástica não adianta. Acabaria com saudade da antiga cara, ou cansaria da nova e faria outra cirurgia, depois mais outra, e outra, e outra, até virar a versão feminina do Michael Jackson. Coisa que, como diria Edmund, não me traria encanto.

O que a gente faz quando cansa da própria cara? Alguém me diria para não olhar mais para o espelho, mas eu não consigo, me desculpe.

Ontem falei para uma amiga, recém-amiga, para falar a verdade, não me dar muita corda que eu sou o tipo de pessoa que gosta de incomodar. Propaganda enganosa, não sou, não. Aliás, muito pelo contrário, eu sou o tipo de pessoa que sempre acha que está incomodando, mesmo (e principalmente) quando não está. E tamanha insistência em achar que incomodo acaba deixando meu interlocutor incomodado.

Para conseguir falar comigo é preciso telefonar, mandar e-mail, sinal de fumaça ou mensagem por qualquer outro meio. Se esperar por minha ligação, esperará sentado. Não ligo por dois motivos: primeiro, não quero incomodar. E sempre existe a possibilidade de meu telefonema chegar dentro do único minuto do dia em que a criatura está mergulhada em todos os compromissos possíveis. Como todo mundo sabe que eu, a priori, sou desocupada (até que se prove o contrário, o que geralmente acontece nas segundas, terças e domingos pela manhã), quem quiser realmente falar comigo, entra em contato, sem correr o risco de me encontrar ocupada.

A segunda razão para eu não fazer contato é bem simples: não costumo mesmo fazer contatos. É algo muito estranho, mas eu acabo me perdendo em meus afazeres banais do dia-a-dia e quando vejo já está tarde demais para telefonar para alguém que não seja um morcego. E deixo para o dia seguinte. Assim passam-se dias, noites, semanas, meses, até mesmo anos, e a criatura ficará eternamente com uma péssima e equivocada idéia de que Josephine é antipática, mal-educada, ou coisa pior.

Há, porém, aqueles que entendem esse jeito desligado e o eterno complexo de incomodação e, quando se lembram, me ligam, mandam e-mails, cartas, e ficam felizes quando, algumas semanas depois, eu lhes respondo os e-mails ou cartas, no caso dos telefonemas a coisa é mais instantânea, obrigatoriamente.

O que acontece com os e-mails é que eu leio e não gosto de responder de qualquer jeito, deixo para o dia seguinte, no qual, segundo minha ingênua mente, estarei mais desocupada. Acontece que mesmo sendo uma desocupada funcional, nunca me acho suficientemente desocupada para tal tarefa. E nunca aprendo. E agora, com a pior conexão discada com a qual alguém poderia sonhar, consigo, às vezes, ter tempo disponível, mas sem poder abrir uma mísera página. E viva o adsl e qualquer conexão banda larga! Meu reino por uma conexão que funcione! (1)

Embora eu sinceramente duvide que alguém queira fazer algum contato comigo, afinal de contas, se até eu cansei da minha cara, quanto mais as outras pessoas, que não teriam nenhuma outra razão para aturar a dita-cuja. Eu ainda me tolero, porque me persigo, estou em todos os espelhos nos quais olho. Mas enjoei de mim mesma e não sei exatamente qual seria a maquiagem adequada para me fazer parecer outra pessoa sem, no entanto, deixar de ser eu.

Mas aí esbarro em meu ego. Posso passar um batom forte e apagar os olhos com um lápis claro. Mas gosto mais dos olhos do que dos lábios e uma parte forte de mim arranca o lápis claro de minha mão e agarra, fortemente, o delineador preto, alucinadamente. É um auto-boicote. Não mudo os cabelos, não mudo a maquiagem, nem as roupas, nem a voz, nem o olhar. Mudo então a forma de me enxergar, prestando atenção naqueles detalhes de mim que andavam há muito esquecidos.

Preciso comprar um perfume. Eu, que nunca fui afeita a perfumes, sinto falta de um aroma diferente. Acho que experimentei todas as cores, e os chocolates continuam também com o mesmo gosto. Mas talvez, se eu misturasse as cores, os aromas, os sabores, talvez se eu me olhasse no espelho como se nunca tivesse me visto antes, talvez- e só talvez- conseguisse, novamente, me entusiasmar com o que vejo.

Ou não.


(1) É apenas uma expressão, não tenho reino algum para dar, embora aceite se alguém quiser me arranjar uma conexão que funcione