Josephine e as Tatuíras suicidas
Final de semana, Edmund resolveu ir à praia. Tudo ótimo se não resolvesse me levar também. Nada contra praia, mas não vejo muita graça em esticar minha escassez de melanina na areia até virar um camarão torrado nem em lutar para permanecer em pé dentro em uma grande massa de água que decididamente não me quer dentro dela e me empurra de volta.
Nem me anima chegar em casa (ou no hotel, ou na pousada) como um camarão à milanesa, coberta de areia e sal, tentando desesperadamente (em vão), debaixo do chuveiro, tirar os terríveis grãos que se alojaram até na alma, quanto mais na pele e no cabelo. A última vez em que me aventurei a entrar no mar eu devia ter uns oito anos. Depois disso contento-me em sentar no calçadão (ou, eventualmente, de roupa na areia) e olhar o sinistro mar. A paisagem é bonita, principalmente quando há pouca gente, mas não é por achar o Grand Canyon bonito que me atirarei sobre ele.
Estranhamente Edmund também não é chegado em praia, ele tem uma implicância com o sol (conforme o texto anterior atesta) e conseguiu manter uma cor ainda mais lagartixal que a minha (estou queimada, em um branco-escuro).
Então viajamos, Josephine encarou o litoral gaúcho, entupiu-se de filtro 30 (maior do que isso é cancerígeno, culpa dos anéis de benzeno, segundo Edmund), colocou um short, biquíni e blusa de alcinha, Edmund de camiseta, bermuda e filtro solar, saímos para a praia.
Lá chegando (ventava horrores) vimos a placa "Próprio para banho", diversas criaturas divertindo-se dentro do mar, fomos recepcionados por um nativo nada ilustre e bastante bronzeado, recém-trazido com as ondas, material fecal, para ser mais específica (Josephine não gosta de palavras sujas e feias. Nesse caso pode até ser suja, feia nunca!). Nos entreolhamos e pensamos seriamente se seria uma boa idéia entrar naquela água.
Não que tivéssemos a intenção de entrar, mas pensamos em um romântico passeio à beira-mar, com água até as canelas. Andamos mais um pouco pela areia. "Um trocinho daquele tamanho não é o suficiente para contaminar esse mar enorme, né?" Ponderei com Edmund. Observei as ondas morrendo na areia e notei uma espuma colorida "Ah, o mar tem detergente, está limpinho", Edmund me disse que aquela espuma era normal, mas para mim aquilo era detergente.
Andamos mais um pouco para dar uma distância segura entre nós e o náufrago então resolvemos tirar os sapatos. Caminhamos pela areia e estava tudo tranqüilo até que Edmund me falou de uns amigos dele que estavam debaixo da areia. Tirou um pouco da areia molhada com os pés e mostrou o bichinho se escondendo, só que eu vi outro bichinho, achei que ele estava falando de um trocinho qualquer que vem com as ondas e se esconde na areia, mas a realidade era ainda mais terrível do que eu poderia imaginar.
Talvez percebendo que eu não identificara o animal ou em sua sempre alucinada ânsia de ver, rever, mostrar, reamostrar quinhentas mil vezes algo de que tinha falado, continuou revirando a areia molhada com os pés para que eu visse os pequenos fugitivos.
Tatuíra. Alguém já ouviu falar disso? Segundo ele é esse o nome das tais criaturas. Encontrou por acaso em uma de suas escavações uma tatuíra já sem vida em seu minúsculo corpo. Por algum motivo desconhecido até então eu imaginara que os bichinhos subterrâneos (ou, no caso, subareiâneos) eram insetos. Qual não foi minha surpresa ao notar, pelo fenótipo do animal que se tratava de um crustáceo!!!
Sim, um diminuto, minúsculo crustáceo quase transparente fugia do sol enterrando-se na areia e quanto mais a água tirava-lhe a areia de cima mais ele se enterrava (ou se enareiava). E assim passava a vida das tatuíras.
Observei então mais à frente e pude notar que o chão estava coberto delas, ou melhor, que elas estavam cobertas pelo chão que estendia-se por toda a borda do mar. Milhares, milhões, bilhões, trilhões, zilhões de tatuíras sendo pisoteadas por incautos banhistas que divertiam-se salgando suas peles e entupindo seus poros com a areia da praia.
Naquele instante percebi que deveria estar pisando em centenas de tatuíras que escondiam-se sob meus pés. Passei a senti-las esperneando sob a sola de meus pés, desesperadas, e fiquei eu mesma ainda mais desesperada, pulando, em vão, os milhares de micro-crustáceos que escondiam-se, em profundo terror.
Obviamente todas as pessoas daquela praia pararam o que estavam fazendo e passaram a observar aquela garota saltitando na areia, olhando, apavorada, para o chão. Edmund tentou me convencer de que as tatuíras ficam imensamente felizes ao serem pisoteadas pelos banhistas e que é exatamente com esse fim que elas se escondem sob a areia.
Não me convenci. Se elas realmente gostassem de ser pisoteadas não se esconderiam, mas manteriam-se visivelmente sobre a areia, aproveitando a deliciosa sensação de ter seu corpo esmagado por um pé humano.
No entanto, as pobres tatuíras enterravam-se, apavoradas, sem saber para onde correr, sem nem ao menos saber correr com aquelas perninhas diminutas e aquele corpo sem nenhuma proteção contra os terríveis raios solares que provavelmente as torrariam em trinta segundos de fuga. Nada mais resta àqueles pobres crustáceos (ao menos acho que são crustáceos, não havia nelas rótulo algum para a correta identificação científica, fui pela aparência mesmo) senão tentar salvar suas vidas enfiando-se embaixo da areia molhada em uma desesperada tentativa de manter-se intactos até que venha a noite e eles possam, enfim, aproveitar as poucas horas em um luau de tatuíras ou, quem sabe, descansando, exaustos, do terrível trabalho diurno para a manutenção de suas existências. Não podia compactuar com isso.
Em pouco tempo o romântico passeio à beira do mar tornou-se em um terrível pesadelo, para mim e para as tatuíras. Decidi não mais andar. Parei em um raro ponto desprovido de tatuíras e lá fiquei, apesar dos apelos de Edmund. Conforme as ondas iam e vinham, notei que meus pés começavam a afundar. Achei que fosse apenas uma discreta acomodação ao terreno, mas logo percebi que estava sob a areia até meus tornozelos e, estranhamente, não parava de afundar.
Por que ninguém me avisou de que havia areia movediça no litoral gaúcho? Desesperada, gritei ao Edmund: "Estou afundando!!!" E ele, mais do que depressa disse: "Legal!!!" E parou em um determinado ponto, buscando afundar também (não sabia que ele era afeito a fortes emoções), quando estava com areia até quase a cintura consegui falar para Edmund (que estava afundado até os joelhos): "Não é para brincar!!! Eu quero sair daqui!!!"
Edmund, como quase todos os homens, é assim, se eu não falar exatamente o que quero que ele faça ele não tem a capacidade de adivinhar exatamente o que espero que ele faça. Geralmente eu faço drama e espero que ele adivinhe, naquele momento minha vida estava em risco, eu não podia esperar.
Finalmente ele saiu da areia e me ajudou a sair também, antes que fosse tragada pelo habitat das tatuíras. Por que elas também não afundam? Não sei, pergunte a elas. Bem, esse é o primeiro capítulo de meu longo passeio de dois dias pela praia. Foi um fim-de-semana inesquecível. Continua no próximo post
PS: Gostaria de agradecer aos leitores deste blog que me deram apoio no post do dia 23 e fizeram com que ele fosse o mais comentado de minha carreira neste blog. Apesar de me sentir horrível por expôr minha carência patética naquele post, fico bastante feliz ao ver que vocês ainda estão por aqui e manifestaram suas agradáveis presenças nos comments, conforme eu (ridiculamente, eu sei) tanto precisava. Me enchi de ânimo ao ler suas tão incentivadoras mensagens e escrevi o texto de hoje, já preparando o segundo capítulo do meu final de semana na praia com Edmund. Respeitosos abraços a todos os amigos.
Nem me anima chegar em casa (ou no hotel, ou na pousada) como um camarão à milanesa, coberta de areia e sal, tentando desesperadamente (em vão), debaixo do chuveiro, tirar os terríveis grãos que se alojaram até na alma, quanto mais na pele e no cabelo. A última vez em que me aventurei a entrar no mar eu devia ter uns oito anos. Depois disso contento-me em sentar no calçadão (ou, eventualmente, de roupa na areia) e olhar o sinistro mar. A paisagem é bonita, principalmente quando há pouca gente, mas não é por achar o Grand Canyon bonito que me atirarei sobre ele.
Estranhamente Edmund também não é chegado em praia, ele tem uma implicância com o sol (conforme o texto anterior atesta) e conseguiu manter uma cor ainda mais lagartixal que a minha (estou queimada, em um branco-escuro).
Então viajamos, Josephine encarou o litoral gaúcho, entupiu-se de filtro 30 (maior do que isso é cancerígeno, culpa dos anéis de benzeno, segundo Edmund), colocou um short, biquíni e blusa de alcinha, Edmund de camiseta, bermuda e filtro solar, saímos para a praia.
Lá chegando (ventava horrores) vimos a placa "Próprio para banho", diversas criaturas divertindo-se dentro do mar, fomos recepcionados por um nativo nada ilustre e bastante bronzeado, recém-trazido com as ondas, material fecal, para ser mais específica (Josephine não gosta de palavras sujas e feias. Nesse caso pode até ser suja, feia nunca!). Nos entreolhamos e pensamos seriamente se seria uma boa idéia entrar naquela água.
Não que tivéssemos a intenção de entrar, mas pensamos em um romântico passeio à beira-mar, com água até as canelas. Andamos mais um pouco pela areia. "Um trocinho daquele tamanho não é o suficiente para contaminar esse mar enorme, né?" Ponderei com Edmund. Observei as ondas morrendo na areia e notei uma espuma colorida "Ah, o mar tem detergente, está limpinho", Edmund me disse que aquela espuma era normal, mas para mim aquilo era detergente.
Andamos mais um pouco para dar uma distância segura entre nós e o náufrago então resolvemos tirar os sapatos. Caminhamos pela areia e estava tudo tranqüilo até que Edmund me falou de uns amigos dele que estavam debaixo da areia. Tirou um pouco da areia molhada com os pés e mostrou o bichinho se escondendo, só que eu vi outro bichinho, achei que ele estava falando de um trocinho qualquer que vem com as ondas e se esconde na areia, mas a realidade era ainda mais terrível do que eu poderia imaginar.
Talvez percebendo que eu não identificara o animal ou em sua sempre alucinada ânsia de ver, rever, mostrar, reamostrar quinhentas mil vezes algo de que tinha falado, continuou revirando a areia molhada com os pés para que eu visse os pequenos fugitivos.
Tatuíra. Alguém já ouviu falar disso? Segundo ele é esse o nome das tais criaturas. Encontrou por acaso em uma de suas escavações uma tatuíra já sem vida em seu minúsculo corpo. Por algum motivo desconhecido até então eu imaginara que os bichinhos subterrâneos (ou, no caso, subareiâneos) eram insetos. Qual não foi minha surpresa ao notar, pelo fenótipo do animal que se tratava de um crustáceo!!!
Sim, um diminuto, minúsculo crustáceo quase transparente fugia do sol enterrando-se na areia e quanto mais a água tirava-lhe a areia de cima mais ele se enterrava (ou se enareiava). E assim passava a vida das tatuíras.
Observei então mais à frente e pude notar que o chão estava coberto delas, ou melhor, que elas estavam cobertas pelo chão que estendia-se por toda a borda do mar. Milhares, milhões, bilhões, trilhões, zilhões de tatuíras sendo pisoteadas por incautos banhistas que divertiam-se salgando suas peles e entupindo seus poros com a areia da praia.
Naquele instante percebi que deveria estar pisando em centenas de tatuíras que escondiam-se sob meus pés. Passei a senti-las esperneando sob a sola de meus pés, desesperadas, e fiquei eu mesma ainda mais desesperada, pulando, em vão, os milhares de micro-crustáceos que escondiam-se, em profundo terror.
Obviamente todas as pessoas daquela praia pararam o que estavam fazendo e passaram a observar aquela garota saltitando na areia, olhando, apavorada, para o chão. Edmund tentou me convencer de que as tatuíras ficam imensamente felizes ao serem pisoteadas pelos banhistas e que é exatamente com esse fim que elas se escondem sob a areia.
Não me convenci. Se elas realmente gostassem de ser pisoteadas não se esconderiam, mas manteriam-se visivelmente sobre a areia, aproveitando a deliciosa sensação de ter seu corpo esmagado por um pé humano.
No entanto, as pobres tatuíras enterravam-se, apavoradas, sem saber para onde correr, sem nem ao menos saber correr com aquelas perninhas diminutas e aquele corpo sem nenhuma proteção contra os terríveis raios solares que provavelmente as torrariam em trinta segundos de fuga. Nada mais resta àqueles pobres crustáceos (ao menos acho que são crustáceos, não havia nelas rótulo algum para a correta identificação científica, fui pela aparência mesmo) senão tentar salvar suas vidas enfiando-se embaixo da areia molhada em uma desesperada tentativa de manter-se intactos até que venha a noite e eles possam, enfim, aproveitar as poucas horas em um luau de tatuíras ou, quem sabe, descansando, exaustos, do terrível trabalho diurno para a manutenção de suas existências. Não podia compactuar com isso.
Em pouco tempo o romântico passeio à beira do mar tornou-se em um terrível pesadelo, para mim e para as tatuíras. Decidi não mais andar. Parei em um raro ponto desprovido de tatuíras e lá fiquei, apesar dos apelos de Edmund. Conforme as ondas iam e vinham, notei que meus pés começavam a afundar. Achei que fosse apenas uma discreta acomodação ao terreno, mas logo percebi que estava sob a areia até meus tornozelos e, estranhamente, não parava de afundar.
Por que ninguém me avisou de que havia areia movediça no litoral gaúcho? Desesperada, gritei ao Edmund: "Estou afundando!!!" E ele, mais do que depressa disse: "Legal!!!" E parou em um determinado ponto, buscando afundar também (não sabia que ele era afeito a fortes emoções), quando estava com areia até quase a cintura consegui falar para Edmund (que estava afundado até os joelhos): "Não é para brincar!!! Eu quero sair daqui!!!"
Edmund, como quase todos os homens, é assim, se eu não falar exatamente o que quero que ele faça ele não tem a capacidade de adivinhar exatamente o que espero que ele faça. Geralmente eu faço drama e espero que ele adivinhe, naquele momento minha vida estava em risco, eu não podia esperar.
Finalmente ele saiu da areia e me ajudou a sair também, antes que fosse tragada pelo habitat das tatuíras. Por que elas também não afundam? Não sei, pergunte a elas. Bem, esse é o primeiro capítulo de meu longo passeio de dois dias pela praia. Foi um fim-de-semana inesquecível. Continua no próximo post
PS: Gostaria de agradecer aos leitores deste blog que me deram apoio no post do dia 23 e fizeram com que ele fosse o mais comentado de minha carreira neste blog. Apesar de me sentir horrível por expôr minha carência patética naquele post, fico bastante feliz ao ver que vocês ainda estão por aqui e manifestaram suas agradáveis presenças nos comments, conforme eu (ridiculamente, eu sei) tanto precisava. Me enchi de ânimo ao ler suas tão incentivadoras mensagens e escrevi o texto de hoje, já preparando o segundo capítulo do meu final de semana na praia com Edmund. Respeitosos abraços a todos os amigos.
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