terça-feira, março 09, 2004

Primeiro Contato:

Era bela manhã de sábado, acho. Eu me preparava há semanas para aquele encontro. Após cerca de dois meses de namoro estava na hora de conhecer a Família Bonaparte. Medo, tensão, desespero, todos os sentimentos mais histéricos que um ser humano pode ter rondaram e assombraram minha alma nos dias que antecederam à grande hora.

"Fique tranqüila, ninguém está lá para julgar você, o pessoal é gente boa, relaxa", falta só dizer que eles nem vão notar sua presença. Não acreditem nisso, meninas, o primeiro encontro entre a menina e os pais do namorado é sempre tenso, qualquer descuido pode ser fatal.

Não quero com isso apavorar ninguém que esteja nesta situação, mas deixá-los cientes do perigo que correm. Primeiro farei uma explicação genérica, começando com os quatro indivíduos básicos:

1- O Sogro: Em geral esse nem te nota mesmo. A menos que ele seja multimilionário e você pertença à ralé do proletariado desempregado, ele não causará problemas.

2- A Sogra: Ao contrário do que se apregoa por aí, ela não é sua pior inimiga (a menos que o rapaz em questão seja filho único ou não tenha irmãs), muito pelo contrário, nesse primeiro momento você deve mostrar-se amiga e gentil, mas não íntima e nem solícita demais, para não parecer puxa-saco.

3- O Cunhado: Desde que ele não goste de competir com o irmão e te paquere durante o jantar, não há problemas. Se for pirralho, convém tomar uma dose extra de calmantes e elogiar o monstrinho.

4- A Cunhada: Esse é o ser mais temível da família. Esta é a criatura que estará te avaliando o tempo todo, mais ainda do que a sogra. Aja com naturalidade e pronuncie as sílabas: "A-mi-ga", ao menor sinal de hostilidade, quase sempre sutil. Nunca se esqueça de que você está roubando o irmãozinho dela. Provavelmente ela contará casos da infância dos dois e o chamará por um apelido que não usa há uns vinte anos para mostrar que tem mais intimidade com ele do que você (o que é óbvio). Uma variação deste ser abominável é a mulher (ou namorada) do cunhado. Por alguma razão obscura ela se sente competindo com você e pode ser um perigo em potencial.

No caso dos homens, substitua a mãe pelo pai e a cunhada pelo cunhado, o efeito é o mesmo.

Você é um ser estranho na casa e este é um ritual de iniciação quase animal, passará por todas as provas até mostrar-se apta ao cargo. Provavelmente você terá de comer coisas que jamais comeria em sã consciência e ouvir coisas com um sorriso no rosto que jamais ouviria sem discutir nem matar alguém.

Dicas de comportamento: não fale muito alto, nem muito baixo, não coma muito devagar, nem muito rápido, não use roupas muito justas, curtas ou decotadas, nem vista-se feito uma freira. Não carregue na maquiagem (é, eu não segui essa dica, mas aqui no Sul isso é até bem visto), não chame seu namorado por apelidos, nem demonstre muita intimidade, pode parecer provocação. Mas dê atenção a ele e fale carinhosamente, demonstrando que ele está sendo bem cuidado.

Fale sempre a verdade e sorria o tempo todo. Seja você, dependendo de quem você for. Quando fui conhecer meus sogros, eles moravam em outra cidade e antes que eu viajasse para vê-los, minha mãe me aconselhou: "Josephine, não há segredo, apenas seja você mesma"...depois ponderou:"..Não, não, pensando bem não seja você mesma, pode assustá-los". Mal sabia ela.

Era aniversário do pai de Edmund e toda a família estava reunida: mãe, pai, irmã, avó, tio, tia, prima e namorado da prima. Imediatamente identifiquei a ameaça (a cunhada) e tratei de mantê-la sob observação. Felizmente ela aparenta ser de uma rara espécie pacífica de cunhadas não-peçonhentas, quase herbívoras.

Eu estava histérica e quando fico histérica meu corpo entra em Stand By: não sinto fome, não sinto sede e meu cérebro não funciona. O pai de Edmund fazia uma centena de perguntas e todos olhavam para a minha cara, esperando resposta. Estava claro que se tratava de um teste, quase uma entrevista de emprego, e achei que quanto mais clara e objetiva eu fosse em minhas respostas, melhor me sairia. Difícil foi conseguir ser clara e objetiva com o cérebro em estado de hibernação nervosa. Fiz o que pude e pude pouco.

Outra dica importantíssima que apliquei: concorde sempre. Isso é uma ótima saída quando seu cérebro não responde, trava e dá tela azul. Faça-os pensar que compartilha de quase todas as opiniões e abstenha-se de comentar quando discordar de algo, melhor não gerar conflitos desnecessários.

Então veio a comida, um farto almoço que enchia a mesa. Não me lembro muito bem o que havia ali, mas me lembro muito bem de que em mim não havia fome alguma...porém eu tinha de comer. Estavam todos olhando para a minha cara, esperando que eu comesse horrores ou preparando-se para dizer que eu deveria comer, pois estava muito magrinha. Fui empurrando a comida, obrigando meu estômago a funcionar, ele não poderia me atrapalhar naquele momento crucial. Sempre sorrindo, senão era capaz de a senhora Bonaparte pensar que eu não tinha gostado da comida.

A avó de Edmund, uma velhinha bastante simpática, ficava o tempo todo olhando para mim e sorrindo, de vez em quando emendava o sorriso com um "como ela é querida!" Para me deixar ainda mais encabulada. Ao final do almoço fizemos uma caminhada pelo bairro, para um merecido descanso.

Depois voltamos e qual não foi minha surpresa ao ver o bolo de aniversário, salgadinhos e refrigerantes esperando que eu os devorasse. Desesperada, tentei fugir, mas Edmund me acalmou e me garantiu que se eu comesse uma fatia de bolo e alguns salgados me deixariam em paz. Com o máximo esforço, comi. O Sr. Bonaparte observava cada movimento: "Não vai comer a coxinha? Já comeu a empada? Prove esse salgadinho, aquele docinho ali é muito bom", eu não agüentava mais olhar para a mesa, mas continuava sorrindo.

Felizmente a comemoração acabou e fomos à sala assistir a um filme, eu, Edmund, a prima dele e o namorado dela. Edmund e o namorado de sua prima escolheram assistir "Conan, o Bárbaro" e nós não tivemos direito a voto. Ou tivemos, não sei, não me lembro, estava mais ocupada em sentir-me empanturrada naquele momento. Rimos um bocado, eu e a prima, o filme era ridículo.

Então a irmã de Edmund veio do corredor, toda feliz, pouco antes do filme terminar, anunciando: "Venham tomar café conosco". Estranhei, não poderiam servir o inocente cafezinho na sala mesmo? Pausamos o filme e fomos à copa. Qual não foi a minha surpresa (novamente) ao constatar que o tal café era, na verdade, um farto Café da Tarde, com tudo a que eu tinha direito e não merecia naquele momento.

Ameacei desmaiar, mas Edmund demoveu-me da idéia. Mais uma vez tive de lutar contra meu estômago e fingir que havia espaço para mais comida. Torturante. Na hora de ir embora todos me abraçaram e ficaram junto ao portão acenando, até que o táxi em que eu estava com Edmund se afastasse. logo que pude me joguei na cama e hibernei até que a digestão fosse concluída, acordando, exausta, vinte horas depois.

Agora sempre visito os pais de Edmund e nunca mais vi tanta comida ao mesmo tempo por lá. Percebi então que eu não era a única apreensiva ali. Na ânsia de me agradar e de causar boa impressão, os Bonaparte encheram a mesa, em um simbolismo tribal de aceitação e boas-vindas que, apavorada, não entendi na hora.

Posso dizer que tenho sorte, a família Bonaparte é bastante agradável, minha cunhada não me odeia, minha sogra é um amor e meu sogro vai com a minha cara. Nem todos têm a mesma sorte, mas se você seguir essas dicas certamente ficará tão irresistivelmente fofa (no sentido mais sublime do que o adiposo) que todos irão querer te adotar, o que é a idéia básica. Ou talvez te achem estranha, não sei, corre-se o risco.

O que sei é que costumamos pensar nas coisas da forma mais terrível possível e elas podem nos surpreender. Muito mais do que ser aceita, o importante em conhecer a família do moço, é a oportunidade de fazer parte do mundo dele, buscar uma soma com aqueles novos seres, um relacionamento em que impere a paz, o respeito e a certeza de que todos podem coexistir em harmonia sem que haja perda de nutrientes de nenhum dos lados. Ou ao menos é assim que deveria ser.

PS: Este post foi escrito em homenagem à nossa leitora desesperada, Livs, que irá conhecer os pais do namorado no próximo sábado (e já está histérica). Espero que tenha ajudado em alguma coisa. Relaxe, menina, você sobreviverá.

PS2: Acabo de ler os comments e Livs me enganou, já foi conhecer os sogros ontem e, como eu previa, sobreviveu.

PS3: Respondendo ao Tustra: Edmund está alucinadamente envolvido em suas tarefas reais e imaginárias e me promete, todos os dias, que voltará a alucinar por aqui. Já ameacei mudar o nome do blog para "Diário da Namorada de um Lunático", mas ele garantiu que não há razões para tal, que voltará ao blog... bem, um dia ele aparece, espero. Se demorar muito ameaço sumir de novo. Costuma funcionar. :)