terça-feira, fevereiro 03, 2004

...continuando

Resolvemos voltar para a pousada, onde nos esperavam a matriarca da família Bonaparte e a irmã de Edmund. Como eu já disse, ventava horrores e eu não conseguia enxergar um palmo adiante de meu nariz (nem tinha palmo algum adiante do meu nariz para ser visto, acho), com o rosto coberto pelos milhares de fios de cabelo que coexistem nem sempre tão harmoniosamente em minha cabeça até a metade das costas. Estavam todos sobre meu rosto.

Cambaleante, agarrei-me em Edmund (para não ser levada pelo vento) e caminhamos, perdidos (havíamos andado muito à beira-mar e não sabíamos exatamente onde estávamos), tentando achar uma daquelas duchinhas ou ao menos uma torneira de água sem sal para tirarmos os espetantes grãos dos pés. Caminhamos horas e horas (não, não sei exatamente quanto tempo foi, mas a mim pareceram horas e horas) até que Edmund avistou duas duchas, para a nossa salvação.


Mas eu comentei, ventava horrores e ao ligarmos as duchas surpreeendemo-nos com o que vimos: o forte vento empurrava os jatos d'água, fazendo com que, ignorando a lei da gravidade, a água caísse horizontalmente, isto é, tornava-se impossível receber uma gota que fosse ao posicionar-se sob o chuveiro.

Enlouquecida, saí atrás da água e me dei conta de que não havia meios para limpar os pés ali, era como se o jato tivesse se transformado em uma leve bandeira, agitada pelo vento enquanto algum hino em sua homenagem era entoado em som inaudível, que só ela era capaz de escutar. E ali, absorta em sua alucinação aquosa, não se dava conta de que era simplesmente o produto de um chuveiro e que deveria cair verticalmente, como quase todas as coisas normais caem, com o intuito de livrar os banhistas (ou os andistas, como era nosso caso) das pequenas partículas que grudaram em toda sua superfície epidérmica.

Mas lá estava ela, agitando-se horizontalmente, ignorando toda a razão de sua existência e eu, desesperada, alegrando-me a cada gotícula que conseguia alcançar (e a essa altura eu já tinha conseguido molhar o cabelo, parte da blusa e os dois braços, mas nada dos pés). Olhei para Edmund. Sim, haviam dois chuveiros, separados por um pequeno muro. Eu estava tentando alcançar a água do segundo chuveiro e Edmund lavando os pés na água do primeiro chuveiro, que tentava cair horizontalmente, mas batia no muro.

Lá estava meu querido namorado com os pés encostados no muro, vendo-se livre de boa parte da areia. Por que ele não me avisou? Achou que eu já tinha visto e que estava me divertindo perseguindo a água do outro chuveiro. Bem, tudo resolvido, consegui tirar ¼ da areia e do sal que grudaram em meus pés. Parecia, enfim, que eu teria um pouco de paz naquele lugar. Lêdo engano, doce ilusão. Eu devia ter aprendido isso nesses cerca de seis meses de namoro, com Edmund a tranqüilidade nunca é absoluta. Só para ele, aliás, que está sempre tranqüilo, em paz e feliz. E eu, descabelada, mal sabia que o pior ainda estava por vir.

Sim, isso foi um gancho. Não doeu, doeu? Continua no próximo post. Amanhã, talvez.