terça-feira, março 02, 2004

Dona Aranha A Subir Pela Parede

Hoje ouvi uma criança pequena cantarolar uma música que eu costumava cantar no maternal. "Dona aranha foi subindo na parede, veio a chuva forte e a derrubou." Não posso deixar de admirar a persistência do tal aracnídeo, há vinte anos sobe aquela parede e até hoje não desistiu, apesar da chuva ininterrupta. Provavelmente busca quebrar algum recorde mundial de escalada de paredes.

Certamente ela usa um potente equipamento de mergulho, pés de pato nas oito patas (aranha com pés de pato é, no mínimo, um bicho muito esquisito), roupa impermeável e cilindro de oxigênio(ou é uma daquelas aranhas aquáticas mesmo), pois hoje, enquanto tomava banho, observei uma incauta aranha (incauta, para não chamá-la de burra) que construíra uma improvável teia no canto do Box, junto ao chão, no local mais inundável possível, sem os equipamentos necessários para garantir sua sobrevivência.

Quando vi, a dona aranha já estava subindo na parede, ou melhor, no acrílico do Box, lutando contra o terrível volume de água que se precipitava sobre ela. Devo confessar que pensei em salvá-la, mas negligenciei o socorro, imaginando que daria tempo de terminar o banho antes de resgatá-la. Enquanto eu me esbaldava a limpar meu corpo com tão refrescante líquido, o pobre artrópode lutava desesperadamente pela vida. A uma certa altura, porém, ela escorregou para um vão do Box e lá ficou, desacordada, até afogar-se.

Ignorando que a pobre aranha já havia deixado seu minúsculo exoesqueleto e habitava, naquele momento, no céu dos artrópodes, peguei um papel absorvente e encostei perto de seu corpo, para livrá-la de toda aquela água. Costumo fazer isso com formigas afogadas há horas e elas sempre saem andando. Fiz isso com uma vespa que passara umas oito horas, afogada e semi-morta em uma bacia d'água e que, após secar suas asas, saiu voando, feliz. Descobri naquele instante terrível que aranhas não são bichos muito resistentes.

Poderia tê-la resgatado a tempo, mas como o monstro que sou, preferi refestelar-me com os prazeres da higiene pessoal a salvar uma pequena vida. Resta-me torcer para que a tal aranha tenha pertencido a uma espécie horrendamente peçonhenta. Ao menos acalmaria a minha consciência.