quarta-feira, fevereiro 25, 2004

Edmund comprou um carro. Como não entende muito bem a linguagem em que os carros falam, pediu a um amigo que sabe se comunicar com automóveis que fosse com ele ver se o que pretendia adquirir estava realmente passando bem.

O tal amigo de Edmund, um cara muito gente boa com um nome ou sobrenome (provavelmente) que parece uma onomatopéia de mordida em uma batatinha frita do tipo Ruffles, algo como: Crunch, Cronch, Croish, Crounsh, conversou com o carro e descobriu que ele estava apenas deprimido por estar sendo vendido, tristeza natural de todos os carros cujos donos resolvem trocar, mas que foi logo resolvida quando Krunsh explicou a ele que Edmund era um cara legal e cuidadoso.

Em troca Edmund ficou de consertar o computador do amigo. Não sei quem falou ao Krounsh que Edmund sabia alguma coisa de computadores, mas o trato foi esse.

Edmund comprou o carro e trouxe o computador do Kronsh para conserto. Já fez cerca de 80% do trabalho, com a ajuda do Cabide. Não me perguntem como, mas o Cabide entende de circuitos e tem auxiliado muito Edmund nessa empreitada. Na verdade o Cabide ficou bastante curioso para saber se o computador do Kroish tinha alguma beleza interior ou se era apenas superficialmente atraente e incentivou Edmund a fazer o tal trato.

O problema agora é que o computador de Edmund está enciumado, pois não é mais o único dispositivo eletrônico obsoleto e estragado naquele quarto.

Ele é velho e cheio de manias, ranzinza, irritadiço e bastante ciumento. Implica até mesmo com o modernoso modem de banda larga que Edmund resolveu abrigar em seu lar. Já tentei convencer Edmund a trocar de equipamento, levei minha computadora (sim, meu computador é feminino) até a casa dele para mostrar que a culpa de a conexão cair e o sistema travar era do computador dele e não do novo modem, ao qual o idoso aparelho tentava culpar.

Edmund montou esse computador com peças de computadores cenozóicos encontrados em uma escavação arqueológica, devidamente fossilizados como todos os fósseis devem ser encontrados. Durante os últimos milhões de anos do período Cenozóico, os hominídeos na Europa e Ásia atravessaram cinco períodos de glaciação.

Durante as Idades do Gelo, calotas polares se espalharam nos continentes; naquele frio terrível, os tais animaizinhos bípedes mamíferos que pouco assemelhavam-se ao Homo Sapiens Sapiens que conhecemos hoje pouco saíam de suas cavernas congeladas.

Desta forma, milhares e milhares de anos antes do que se imagina, os macaquinhos superdesenvolvidos construíram os primeiros computadores e inventaram o acesso à internet. Só havia um problema: a escrita só seria inventada trocentos anos depois e não houve forma de fazer grandes avanços tecnológicos com teclados rupestres. O jeito foi desistir da geringonça e enterrá-la.

Depois da glaciação, passado o derretimento do gelo, a movimentação das placas tectônicas, a bagunça que foram aqueles milênios subseqüentes, fóssil para lá, fóssil para cá, de um jeito que ninguém sabe até hoje, partes dos computadores dos hominídeos cenozóicos congelados foram parar em um sítio arqueológico não muito distante daqui.

Certo dia, durante um de seus habituais passeios matinais, Edmund tropeçou em algo. Muito curioso, escavou até descobrir do que se tratava. Era uma placa-mãe de tempos imemoriais!!! Encontrou alguns outros pedaços do artefato e mesclou-os com peças novas (o teclado com desenhos de bisões mal traçados, por exemplo, teve de ser substituído por um moderno, com os caracteres de nosso alfabeto, que tão bem conhecemos), sempre contando com a ajuda do Cabide.

Enfim, a coisa funcionou bem por algum tempo, mas agora parece tomar vida própria. Aliás, as coisas quando começam a ficar velhas tomam vida própria, decidem o que querem e o que não querem fazer, rebelam-se, não querendo mais ser submissas aos seus donos. Em nenhum outro objeto essa característica é tão clara quanto no computador.

Note, no início seu micro abre todas as janelinhas que você quer abrir, te ajuda a fazer exatamente o que você quiser e não se opõe a nenhum comando seu, por mais estranho que pareça. Conforme os anos vão passando, o computador rebela-se e só abre as páginas que quer abrir, só executa os programas que decide executar e passa a nutrir um profundo desprezo por você e a desrespeitá-lo com telas azuis, travamentos (birra) e outros absurdos.

Dizem que o Linux é mais educado que o Windows....não sei, mas os usuários de Linux com computadores antigos também devem sofrer com a rebeldia de seus obsoletos maquinários, isso independe do sistema operacional, acho.

Até que Edmund pensou em comprar um novo computador, que se dê bem com o modem e os demais objetos da casa. Ocorre que após a aquisição do Lunáticomóvel demorará um pouco mais até Edmund trocar o que ele chama de "Dispositivo computatório" por algo que realmente funcione e não reclame.