segunda-feira, maio 10, 2004

Empanturramento Colonial

Fomos a Gramado hoje, almoçamos café colonial. Eu, comendo como se nunca tivesse visto comida na vida, daquele jeito que só eu sei fazer (mentira, um monte de gente sabe também), de achar que o mundo vai acabar amanhã e que eu tenho que fazer quinhentas mil coisas hoje, comer quinhentas mil coisas agora, antes que o mundo acabe, antes que eu acabe, antes que a fome acabe.

Gente cruel daquele lugar. Quando finalmente nos livramos dos dois pedaços de bolo de cenoura, o garçom, para nos punir, veio com outro prato, desta vez com três pedaços de bolo de cenoura. Havia também dois pedacinhos de rocambole de brigadeiro, muito bom. Edmund comeu um e me avisou que estava gostoso, eu, empanturrando-me de bolo de cenoura, perguntei a ele se acaso não queria o outro pedaço de rocambole. Ele disse um não meio por educação e eu perguntei novamente:
-Quer o rocambole, amorzinho?

Antes que ele pudesse responder, a garçonete, sempre atenta, perguntou:
-Querem mais rocambole?

Pensei que talvez fosse perigoso recusar e assenti, com a cabeça. Em pouco tempo surgiu à nossa frente um prato com cinco pedaços do tal rocambole. Me parece uma boa técnica de tortura. Ah, é, você gostou do rocambole, é? Então toma, coma mais um pedaço...e mais outro...e mais outro...e mais outro.....CHEEEEGAAA!!! EU CONFESSO, EU CONFESSO!!!

E quase confessei. Certamente ajudaria saber exatamente o quê eles queriam que eu confessasse. E lá ficamos, comendo e conversando, no instinto natural de comer até acabar a comida, comer os pães com geléia, queijos, frios, bolinhas de queijo, croquetes de frango, bolos de amendoim, de cenoura com chocolate, tortas, biscoitos, pedaços de frango empanados, bolos disso e daquilo, quindins e coisas que permaneceram intactas.

Aliás, a grande frustração é ter a sensação de ter comido um boi, olhar para a mesa e vê-la farta, como se você não tivesse movido um dedo, como se tudo estivesse intacto, como se você tivesse comido apenas uma bolinha de queijo e um biscoito com geléia. É cruel. Nem a sensação de saciedade primitiva, a felicidade de ver sua presa estraçalhada e seu estômago cheio. Cadê a presa estraçalhada?

Parecia um pesadelo. Comer, comer e a mesa continuar cheia de coisas, e a vontade de comer mais, para não desperdiçar e a mesa continuar cheia de coisas, e o desespero porque você não é um avestruz e não cabe mais nem uma ervilha no seu estômago, mas a comida ainda está lá, aqueles picles que dão um certo mal-estar, aliás, tudo ali começa a dar um certo mal-estar, até a torta de chocolate com côco, que você tanto adora (ao menos eu adoro).

Felizmente temos o costume de sentar do mesmo lado da mesa, um ao lado do outro; caso fôssemos como aqueles casais que sentam-se em lados opostos, mal conseguiríamos ver a cara um do outro, soterrados em tantas iguarias terrivelmente calóricas.

Edmund levantou-se para pagar a conta e eu então percebi que no pratinho das bolinhas de queijo ainda havia três sobreviventes, gritando para serem devorados. Ao menos eu os ouvi gritar. Mesmo não conseguindo mais respirar (acho que meu estômago, a essa altura já havia comprimido os meus pulmões), comi as últimas bolinhas de queijo e tive a agradável sensação de ver um prato vazio, de estômago cheio. Vitoriosa, saí, ainda vendo o olhar de insatisfação do garçom ao recolher o prato vazio.

Edmund levantou uma questão interessante, enquanto sofríamos, empanturrados: para onde vão os restos dos alimentos? Por restos entenda-se as fatias de bolo não comidas, pedaços de queijos deixados intactos, salgadinhos inteirinhos, deixados ali por clientes cujo estômago não comporta mais nem uma ervilha.

Pensei que talvez distribuíssem aos necessitados ou os próprios garçons os comessem depois, ou levassem para as suas famílias. Edmund ainda aposta na reciclagem, eles apenas arrumariam os pedaços de bolos, salgadinhos não comidos, completariam as jarras de suco e vinhos, colocariam mais queijos e frios para preencher espaços vazios...e serviriam aos próximos clientes.

Não sei. Tudo me parecia fresco demais para ser reaproveitado, mas quem sabem, não? De qualquer forma estava gostoso e não vi nenhum pedaço mordido, o que já é um bom sinal. Edmund gosta de tentar me apavorar, me deixar neurótica, paranóica, enquanto ele permanece calmo, sereno, tranquilo, impassível.

Na volta, passamos por alguns restaurantes. Fechei os olhos. Ler "churrasco", "galeto", "sequência de fondue" e "café colonial" me embrulhava o estômago....estômago embrulhado com palavras, fechei os olhos e voltamos para casa. Alertei a Edmund para não ler as placas, mas que por favor, não fechasse os olhos. Afinal de contas, era ele quem estava dirigindo.

Peésses:
Fox#23, bom saber de tuas notícias, cheguei a pensar que não estavas mais estre nós, o que seria bastante triste. Sim, fui ao teu blog algumas vezes, tentar encontrar sinais de vida. Quanto à tua pergunta, não há nada de lunático em mim, além do namorado, é claro.

Alencar, claro que pode me chamar de amiga, fiquei lisonjeada com o teu comentário, obrigada :) E espero também que das próximas vezes a TPM seja mais boazinha comigo.

Cal, silêncio, gelo e comida....disso é feito o inverno aqui :) E você tem razão, Edmund é muito compreensivo, calmo, coitadinho, está aprendendo a lidar com a criatura monstruosa que é Josephine tepeêmica...mas espero livrá-lo desse suplício em breve (e a mim também) recorrendo a um tratamento hormonal...embora minha TPM nem seja assim tão assassina, e nem assim tão descontrolados sejam meus hormônios, creio que é tudo psicológico. Acho. E é ótimo te ver por aqui também :)

GURIA, sua idéia de ficar na cama de olho fechado é perfeita, o problema é que nem sempre se consegue fazer isso por uma semana, que seja. Você disse que é bom evitar contato, principalmente, com seres animados. Edmund é o ser mais animado que conheço...na próxima TPM, se houver, pretendo comunicar-me com ele por bilhetes, seguindo seu conselho :) A propósito, em que consiste o tal remédio?

Monik, se eu estivesse na TPM te diria que espero que você tenha lido o post. Como não encontro-me mais em tão lastimável estado, acredito (ou espero) que você tenha lido sim o post, gostou, achou criativo e comentou. Obrigada mesmo, de coração, por mim e por Edmund.