quarta-feira, julho 28, 2004

Trabalho e Vício

Agradeço da lembrança e não, não congelei. O comentário da Karla "Pena que vcs não cumprem a palavra. Vcs escrevem tão bem....." Doeu. Tá, tá, fizemos coisas terríveis, Edmund atrasou o post quase uma semana e em seguida eu faço o mesmo. Adianta dizer que foi coincidência?

Bem, ele passou aqueles dias encrencado por causa do meu post anterior, sobre hibernação (sim, devo tomar mais cuidado com meus próximos textos, para evitar problemas).

Não estranhei muito o sumiço porque é bem comum Edmund desaparecer, passar dias fora e depois reaparecer, com uma história pior que a outra, e sempre precisando de um bom banho.

Não tenho nenhuma história mirabolante para contar, infelizmente. Meu problema nesta semana foi a absoluta falta de tempo.

Fui mandada para um lugar muito arborizado, com muitos patinhos (nenhum horrendo, antes que me perguntem), alguns pavões, uma capivara e suas capivarinhas, ovelhas, peixinhos e um monte de gente.

Por algum tempo fiquei afastada da civilização propriamente dita, passei alguns dias sem ver um mísero computador, estava em processo de desintoxicação.

Como vêem, não adiantou nada. Cá estou eu, novamente em meu vício, digitar desenfreadamente em frente a um computador conectado à internet.

Alguém achou que manter-me longe, junto dos matinhos e de bichinhos bonitinhos me faria esquecer para sempre a net, o teclado, o mouse, o monitor e o gabinete da CPU.

Foi em vão. Enquanto fiquei por lá, escrevia, escondida, longe dos olhos de todos, em um caderno que contrabandeei, sem que ninguém visse (percebam que não existe coisa mais clandestina: o caderno era contrabandeado e eu escrevia escondida, sem que ninguém visse e ainda por cima longe dos olhos de todos...risos...).

Vi algumas pessoas realmente desesperadas, que deveriam ser mantidas longe de cordas, objetos pontiagudos e veículos em movimento. Tais pessoas poderiam, voluntariamente, praticar auto-flagelação (sim, existe quem se auto-flagele involuntariamente).

Sim, vi coisas terríveis. Desde pessoas que gritavam, em profunda histeria, até quem digitasse o nada em coisa alguma, enlouquecidamente, dedilhando o ar.

Estava tranquila, via Edmund no horário de visita e ele me disse que não escreveria aqui enquanto eu não voltasse. Obviamente ninguém o ouviu dizer tal absurdo, senão o acusariam de estar me estimulando a voltar ao vício e atrapalhando todo o tratamento.

Durante todo o tempo que passei por lá só pensava em voltar e escrever. Angustiei-me porque deixei muitas coisas a fazer no computador, e sabia que estava perdendo tempo.

Uma das piores sensações que já provei é a de saber que existe algo a ser feito enquanto se faz outra coisa que te impede de fazer aquela coisa que você sabe que deveria ser feita naquele exato momento. É terrível.

Resisti, porém, bravamente e até fiz amizade com alguns internos e outros, externos, também.

Não revelo o nome de quem me internou, mesmo porque sei que essa pessoa fez tal tenebrosa coisa para o meu bem e não merece ser linchada. Acredito que ela não leia este blog, ou então estaria incorrendo no mesmo "erro" que acha que estou.

O problema é que a criatura aparentemente humana te vê o dia inteiro em frente a uma tela brilhante, com os olhos fixos e os dedos batendo aceleradamente em uma superfície cheia de teclinhas e supõe, erroneamente, que você não está fazendo nada.

Por quê? Porque ela não consegue ver o que você está fazendo (aliás, geralmente você nem deixa), não enxerga seu cérebro trabalhando (se ela começar a enxergar, preocupe-se) e deduz que, já que ela não vê nada, significa que você também nada faz ali.

Se você passasse o dia inteiro (ou duas horas que fossem) carregando pedras, com uma lista telefônica na cabeça, recortando figuras de uma revista com os pés, ela veria, tranquilizada, que você está fazendo alguma coisa.

Não há mesmo resultado imediato de um trabalho virtual, a menos que me deixem imprimir primeiro, antes de julgar-me culpada e lançar-me ao calabouço.

Já temos anos o suficiente de informatização para familiarizar nosso cérebro com a nova realidade, mas infelizmente nem todo mundo conseguiu atingir esse grau de evolução ainda.

Trabalho é trabalho, braçal, mental ou virtual, ainda que não saia embalado, rotulado e com lacre de segurança no final da linha de produção.

E se não for trabalho...ei, claro que é trabalho! Mesmo porque ninguém está vendo, quem pode provar que não é? :)

PS: Lillian, vejo se te mando um e-mail hoje, respondendo à tua pergunta. Se não der hoje, certamente amanhã pela manhã.