quarta-feira, julho 07, 2004

A Criminosa e o Mercado Clandestino

Faz algum tempo que não vou a uma biblioteca. Nada contra, foi falta de tempo mesmo. De vez em quando tinha o hábito de ir a uma livraria, sentar e ler um livro qualquer, mas confesso que me sinto muito mal com isso, como se estivesse lesando alguém.

Afinal de contas, ler o livro de alguém, gostar e não recompensá-lo financeiramente pelo trabalho de escrever aquilo é, no mínimo, cruel. É o que penso em relação às bibliotecas públicas, por exemplo. Só me sinto redimida desse delito quando realmente não tenho dinheiro para comprar nada. Aí incluo-me entre a população carente e, carente de novas idéias, pego emprestado o trabalho de alguém e passo a tarde lendo atentamente sentada à mesa de algum desses lugares.

Mas quando tenho condições de comprar aquele punhado de páginas encadernadas, prefiro fazê-lo. Mas não sem antes dar uma olhada e ver se a literatura em questão é autêntica ou se trata-se de folhas impressas, capa colorida e conteúdo zero. Já fui enganada antes, levando lebre por gato, hoje em dia prefiro cercar-me de todas as garantias e levar para casa o gato literário que escolhi.

Ainda assim sinto-me uma criminosa. Pegar um livro emprestado de alguém, por exemplo. O pobre escritor acha que vendeu apenas vinte cópias, mas mal sabe que aquelas vinte cópias na verdade estão circulando entre duzentos indivíduos que, em grupos de dez, emprestam e reemprestam um livro seu, para que os colegas leiam. E ninguém compra.

Se gostou, prestigie, penso. A melhor maneira de mostrar a alguém que sua estima é, segundo a lógica capitalista, oferecer-lhe um presente. Eu imagino que o melhor presente para um escritor é ver que seus livros estão vendendo bem. Então prefiro ser um número, fazê-lo saber que vendeu quinhentos e dois livros, ao invés de quinhentos e um, deve ser importante.

E quanto às lojas de livros usados (Josephine é fresca e detesta chamar algo tão interessante quanto "loja de livros usados" de "sebo") ? Sempre gostei delas, mas me parecem mercado clandestino. Não sei como funciona isso, mas duvido que os autores recebam duas vezes por exemplar. É uma e "deu pra bola", como diz o Edmund. Me parece mesmo mercado negro.

E não tenho vergonha de dizer que muitas vezes recorri a este obscuro mercado, seja em escambo, compra ou venda. Esta última é terrível, mas as outras duas, fora o sentimento de culpa, são recompensadoras. A maioria dos livros que tenho foram conseguidos em uma dessas famigeradas lojas.

Claro, livros em lojas de usados são infinitamente mais baratos, mas às vezes prefiro pagar mais para ter minha consciência limpa, sabendo que estou ajudando um pobre escritor carente que, na maior parte das vezes, tem família para sustentar, apesar de não viver exclusivamente da venda de livros, a menos que seja um consagrado escritor. Aí certamente sou mais pobre e carente do que ele e ele não se importaria em me ver comprando seu livro de segunda, terceira, quinta ou vigésima mão.

Algumas lojas de usados são bonitinhas, arrumadinhas, com cara de livraria. Mas a maioria, ao menos aqui, tem aquele aspecto sujo, de festa dos ácaros, livros misturados, mal arrumados, ambiente escuro e sinistro, vendedores mais sinistros ainda, que te perseguem por toda a loja, como todo bom vendedor sinistro deve fazer para apavorar o possível cliente.

Por isso aposto no mercado negro. Acredito que haja uma espécie de tráfico de livros usados, eles são comprados a preços ridículos (e quando digo ridículo, leia ridículo mesmo, se te pagarem cinco Reais por dez livros, fique feliz.), os vestígios do antigo dono são apagados e depois são colocados nas prateleiras por um preço inferior ao novo, mas duzentas vezes superior ao pago. A única diferença entre este e o mercado clandestino de automóveis, por exemplo, é que os livros são vendidos pelos próprios donos (na maioria das vezes) e os carros, por receptadores de veículos roubados.

Sim, livros estão caros demais, eu sei, e eu mesma frequentemente recorro a esses expedientes para aumentar a biblioteca e conseguir algo útil para ler, gastando menos, mas se o troço é bom, mas bom mesmo, junto o dinheiro que for e pago.

Os escritores não acham ruim, alguém vai me dizer, porque ao menos o trabalho deles está chegando às mãos de alguém e é isso o que importa. Tudo bem, tudo bem, pode ser, em uma visão romântica da coisa. Não sou escritora, não sei de nada, mas esse argumento me parece aquele do Edmund, dizendo que as tatuíras nasceram para ser pisoteadas e adoram a idéia. Não sei. Pode ser. Ou não.

Também existem aqueles livros que a gente não encontra em livraria nenhuma, mas acha em lojas de usados, porque algum pobre coitado, em dificuldades financeiras, foi obrigado a desfazer-se deles. Sempre que compro um livro usado não consigo deixar de pensar em quem o vendeu. Por quantas mãos passou? Por que foi parar naquela prateleira? Problemas financeiros? A pessoa não gostou do livro? Ou gostou tanto que voltou lá para trocar por outro e disponibilizar novamente para venda, para que assim alguém consiga obter aquele mesmo prazer novamente?

Aqui começa a melhorar a imagem dessas lojas. Ou desses livros, sei lá. O componente histórico que sua simples existência dentro daquele lugar carrega é tão ou mais intrigante do que a própria história contida em suas páginas. Compro um livro e trato de investigar, procurando em suas folhas algum resquício de registro humano, como, por exemplo, frases sublinhadas ou alguma nota de rodapé. Por que raios aquela pessoa, seja lá quem for, gostou daquele trecho específico?

E lá vai Josephine fazer um livro dentro do livro, uma história além da história, checando páginas e delirando sobre suposições que jamais poderão ser comprovadas. Eu me divirto com isso. Tanto quanto me divirto lendo. Ou escrevendo. Na verdade são diferentes aspectos de um mesmo processo: ler, imaginar, criar, escrever. Viagens da alma, através do próprio corpo, dos sentidos, da mente. Sem que seja necessário tomar nada, fazer nada além de mergulhar em letras. Literalmente.


PS: Oi :) O plantão Josephínico informa: além de nos revezarmos nos textos, a partir de hoje este blog volta a honrar seu nome e ser diário. Isto é, se é que é necessário explicar o termo, amanhã teremos novo texto de Edmund, sexta-feira novo texto meu, sábado novo texto de Edmund, domingo novo texto meu e assim por diante. Finalmente, chegou o dia! Colaborem vindo ler diariamente, não de cinco em cinco dias como os acostumei a fazer...risos...

PS2 Aliás, sobre meu último post, Daniele, você está perdoada, desde que tal coisa abominável jamais se repita...risos... e as respostas aos comments estão na própria caixa de comments do meu último post. Aliás, caso Edmund não tenha tempo de responder aos comentários dos textos dele, eu mesma respondo, será que posso? Não, não, assim vou acostumá-lo mal. Deixe que ele responda mesmo.

Flip-Flop diz que preferia o template claro. Alguns dos nossos leitores já demonstraram preferência pelo layout preto. Se quiser dar sua opinião, esteja à vontade, gostaríamos de saber. Edmund teve a brilhante idéia de fazer um blog-clone, o mesmo Diário, com os mesmos posts, mas com o template de outra cor. Seriam dois blogs, um branco e um preto, a escolher. Aí dei a dose diária de antialucinógenos e ele esqueceu a brilhante idéia.

A propósito, Leila, as duas caixas de comentários estão aí porque de vez em quando uma das duas não funciona. Aí sobra a outra e a gente não fica sem comments por problemas técnicos. Claro que sempre há a possibilidade de as duas falharem ao mesmo tempo, mas, convenhamos, é mais remota.

Outro PS Alguém, por favor, faça Edmund parar de assobiar "Für Elise", fez isso o dia todo e agora começou denovo, enquanto escrevo, ele assobia, em outro cômodo....ok, parou e começou a assobiar "Chega de Saudade".....