O beijo
Ontem não voltei para casa. Edmund estava cansado e ligeiramente abatido, achei melhor ficar de olho nele durante a noite. Enquanto ele dormia revirei seus registros antigos, cartas, textos, tudo o que podia achar sobre seu passado recente. Foi um exercício interessante. Imaginar Edmund sem mim, como ele vivia sem sequer saber de minha existência. Deve ter sido difícil para ele passar tanto tempo sem me conhecer. Às vezes ele transparecia isso entre uma palavra e outrados guardados que eu lia, outras vezes parecia tão envolvido com o presente daquele passado que nem se dava conta que o futuro não seria aquilo.
Não sou de ficar revirando bolsos e vasculhando a carteira em busca de algum indício de infidelidade, Edmund não seria capaz de trair-me. Não por incompetência, mas por caráter mesmo. E ele não é do tipo que fica "caçando" mulheres por aí, mas já tive alguns problemas de insegurança por culpa de alguns dos seus hábitos bizarros.
Todo casal enamorado sabe que não existe momento mais sublime do que um beijo apaixonado. Aquele momento em que você se entrega, olhos fechados, corpo flutua, nada mais existe ao redor, nenhum som, nenhum ruído, nada poderia quebrar a mágica do momento. Nada?
Em minha curiosidade narcísica abri ligeiramente os olhos para observar a expressão extasiada de meu enlouquecido namorado. Qual não foi minha surpresa ao percebê-lo de olhos abertos, seguindo o movimento da rua enquanto me beijava! Meio sem jeito, testei outras vezes, em outros locais, outros horários, outras situações, uns dois ou três dias para ver se o comportamento se repetia.
Nada se alterava. Ele estava olhando para mim, fechava os olhos ao colarmos os lábios e, como se tivessem vida própria, eles se abriam e passavam a observar tudo o que acontecia ao redor. Indignada com tamanha falta de respeito, perguntei a ele o porquê de agir daquela forma. Ele ficou surpreso. Simplesmente não notara que esbugalhava os olhos durante o tão enlevante beijo, em busca de algo mais interessante para acompanhar.
Garantiu-me que enquanto seus olhos o mantinham alerta contra eventuais catástrofes, perigos e predadores, sua mente e seu coração permaneciam conectados à magia daquele momento sublime. Percebendo que eu jamais aceitaria aquela situação, propôs mudar seu comportamento e testamos alguns beijos de olhos fechados (eu de olhos abertos, para ver se ele cumpria a promessa), vez ou outra os olhos, desesperados, tentavam abrir, mas ao perceber meus enormes olhos controladores, fechavam-se, apavorados.
Quando finalmente acreditei que o extenuante trabalho de reeducação havia chegado ao fim, dei-lhe um beijo de agradecimento, ainda observando-o com os olhos semicerrados. Então subitamente, uma convidativa voz feminina iniciou uma conversa em movimento perto de nós (estávamos sentados em um banco de um parque e duas moças passavam conversando, enquanto faziam jogging). Sincronizados com a voz da tal lambisgóia, os olhos de Edmund abriram-se e, ignorando os meus, esgueiraram-se à procura da dona do timbre esganiçado.
Parei o beijo e fiquei bastante brava. "Abriu os olhos para ver se a garota estridente era bonita?" Edmund, com a expressão de nada que lhe é peculiar quando confrontado (aquela cara de "não fui eu"...pior é que nunca foi mesmo) respondeu que não, aquilo fora apenas uma reação involuntária a um som estranho. Garantiu-me que teria acontecido a mesma coisa se tivesse ouvido latidos de cachorro ou ganidos de pato atrás de nós.
Mas ele foi para o castigo assim mesmo. Meia hora sem beijos. Desesperado (Edmund é extremamente beijoqueiro), prometeu nunca mais abrir os olhos durante um beijo, ainda que um caça se espatifasse a vinte metros de distância ou um ovni aportasse a dois metros de nós e toque "Jingle Bells" com instrumentos feitos de crânios humanos.
Finalmente deu certo. Agora Edmund não se sente mais ameaçado quando fecha os olhos para um beijo, sabe que naquele momento ele está em segurança porque desmaterializa-se e ninguém mais pode vê-lo (ao menos eu o fiz acreditar que é assim). Confesso que de quando em quando ainda dou uma espiadela com o canto de um dos olhos semicerrados e desenvolvi um vigésimo sentido, que faz com que eu abra os olhos no exato momento em que ele também abre. É, ainda acontece. É raro, mas acontece e ele tem se policiado para que esse problema não volte.
Eu lhe expliquei que quando fechamos os olhos aguçamos os outros sentidos e qualquer contato fica mais intenso. Assumiu que realmente é melhor assim. E eu deveria ganhar um troféu "paciência de ouro" por esses quatro exaustivos meses de convivência com tão agradável criatura. Se houvesse essa premiação. Se bem que ganhar um troféu por fazer um beijo bom ficar ainda melhor é, no mínimo, covardia.
Não sou de ficar revirando bolsos e vasculhando a carteira em busca de algum indício de infidelidade, Edmund não seria capaz de trair-me. Não por incompetência, mas por caráter mesmo. E ele não é do tipo que fica "caçando" mulheres por aí, mas já tive alguns problemas de insegurança por culpa de alguns dos seus hábitos bizarros.
Todo casal enamorado sabe que não existe momento mais sublime do que um beijo apaixonado. Aquele momento em que você se entrega, olhos fechados, corpo flutua, nada mais existe ao redor, nenhum som, nenhum ruído, nada poderia quebrar a mágica do momento. Nada?
Em minha curiosidade narcísica abri ligeiramente os olhos para observar a expressão extasiada de meu enlouquecido namorado. Qual não foi minha surpresa ao percebê-lo de olhos abertos, seguindo o movimento da rua enquanto me beijava! Meio sem jeito, testei outras vezes, em outros locais, outros horários, outras situações, uns dois ou três dias para ver se o comportamento se repetia.
Nada se alterava. Ele estava olhando para mim, fechava os olhos ao colarmos os lábios e, como se tivessem vida própria, eles se abriam e passavam a observar tudo o que acontecia ao redor. Indignada com tamanha falta de respeito, perguntei a ele o porquê de agir daquela forma. Ele ficou surpreso. Simplesmente não notara que esbugalhava os olhos durante o tão enlevante beijo, em busca de algo mais interessante para acompanhar.
Garantiu-me que enquanto seus olhos o mantinham alerta contra eventuais catástrofes, perigos e predadores, sua mente e seu coração permaneciam conectados à magia daquele momento sublime. Percebendo que eu jamais aceitaria aquela situação, propôs mudar seu comportamento e testamos alguns beijos de olhos fechados (eu de olhos abertos, para ver se ele cumpria a promessa), vez ou outra os olhos, desesperados, tentavam abrir, mas ao perceber meus enormes olhos controladores, fechavam-se, apavorados.
Quando finalmente acreditei que o extenuante trabalho de reeducação havia chegado ao fim, dei-lhe um beijo de agradecimento, ainda observando-o com os olhos semicerrados. Então subitamente, uma convidativa voz feminina iniciou uma conversa em movimento perto de nós (estávamos sentados em um banco de um parque e duas moças passavam conversando, enquanto faziam jogging). Sincronizados com a voz da tal lambisgóia, os olhos de Edmund abriram-se e, ignorando os meus, esgueiraram-se à procura da dona do timbre esganiçado.
Parei o beijo e fiquei bastante brava. "Abriu os olhos para ver se a garota estridente era bonita?" Edmund, com a expressão de nada que lhe é peculiar quando confrontado (aquela cara de "não fui eu"...pior é que nunca foi mesmo) respondeu que não, aquilo fora apenas uma reação involuntária a um som estranho. Garantiu-me que teria acontecido a mesma coisa se tivesse ouvido latidos de cachorro ou ganidos de pato atrás de nós.
Mas ele foi para o castigo assim mesmo. Meia hora sem beijos. Desesperado (Edmund é extremamente beijoqueiro), prometeu nunca mais abrir os olhos durante um beijo, ainda que um caça se espatifasse a vinte metros de distância ou um ovni aportasse a dois metros de nós e toque "Jingle Bells" com instrumentos feitos de crânios humanos.
Finalmente deu certo. Agora Edmund não se sente mais ameaçado quando fecha os olhos para um beijo, sabe que naquele momento ele está em segurança porque desmaterializa-se e ninguém mais pode vê-lo (ao menos eu o fiz acreditar que é assim). Confesso que de quando em quando ainda dou uma espiadela com o canto de um dos olhos semicerrados e desenvolvi um vigésimo sentido, que faz com que eu abra os olhos no exato momento em que ele também abre. É, ainda acontece. É raro, mas acontece e ele tem se policiado para que esse problema não volte.
Eu lhe expliquei que quando fechamos os olhos aguçamos os outros sentidos e qualquer contato fica mais intenso. Assumiu que realmente é melhor assim. E eu deveria ganhar um troféu "paciência de ouro" por esses quatro exaustivos meses de convivência com tão agradável criatura. Se houvesse essa premiação. Se bem que ganhar um troféu por fazer um beijo bom ficar ainda melhor é, no mínimo, covardia.
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